quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Os Budas de Bamiyan e o Cristo Redentor

Bamiyan é um vale como outros tantos vales no centro do distante Afganistão. No ceu centro, uma pequena vilazinha à beira da estrada que liga Herat, na fronteira com Iraque, à capital Kabul. Seguindo em direção ao Oriente, depois de Kabul, a rota segue, para o sul, em direção a Islamabad, já no Paquistão e mais adiante, para a Índia. Ou então, de Kabul, outra alternativa é pender para o Norte e,  transitando entre os vales que separam o Tibet de Xingiang, chegar até a China, o Império do Centro. É a Rota da Seda que, durante milênios, fez a conexão entre o Oriente e o Ocidente. Marco Polo, no final do séc. XIII e início do séc. XIV, fez o percurso e tornou-o conhecido no mundo mediterrâneo. Hoje, a China, em seu anseio de firmar-se como liderança econômica mundial, está reconstruindo a Rota da Sede não mais com camelas, mulas e cavalos mas com modernos sistemas de transporte ferroviário, rodoviário e naval.

Voltando a Bamiyan... O que torna este vilarejo tão importante e tema deste nosso texto é que, nas encostas dos vales que a circundam, estavam as famosas estátuas dos Budas gigantes de Bamiyan. A maior das duas tinha 54 metros de altura. A outra, 36 metros. Escavadas dentro das cavernas, sua construção teve início no séc. VI quando a região era ocupada por dezenas de mosteiros budistas. No ano de 630, um chinês budista que passou pelo local descreveu-as como “decoradas com ouro e pedras preciosas”. Com o passar do tempo e a destruição dos mosteiros pela invasão árabe do séc. VIII, o ouro e as pedras preciosas foram levadas para o tesouro de alguma corte da região e só resistiram os Budas de pedra impávidos em suas cavernas dominando a região habitada pelos pashtuns e alternadamente dominada pelos impérios persa, árabe, turco e, finalmente, de 1830 a 1919, pelo Império Britânico. Com a saída dos britânicos, a região viveu décadas de instabilidade até que, em 1978, um golpe militar, apoiado pela então União Soviética, instalou uma república socialista no Afganistão.

Em plena Guerra Fria, o novo governo foi visto pelos Estados Unidos como uma ameaça para seus interesses na região. Com o apoio do Paquistão e da Arábia Saudita, o serviço secreto norte-americano começou a arregimentar, treinar e municiar grupos de opositores ao novo governo pró-soviético. Para dar-lhe coesão ideológica, fez recurso ao fundamentalista islâmico sunita. Nasceram assim os talibãs ou mujahidin. Traduzidas, estas duas palavras significam estudante ou guerreiro santo. Professando uma interpretação literal do Al Corão, financiados, armados e assessorados pelos Estados Unidos, lançaram-se à luta para expulsar os invasores soviéticos e seu regime ateu e construir um Emirato Islâmico na região. A operação foi a mais cara da Guerra Fria norte-americana e concluiu com a derrocada, em 1997, do governo pró-soviético e a instauração do Emirado Islâmico do Afeganistão. Nele, os estudantes do livro impuseram a sharia como legislação reguladora de todas as instâncias da vida do país. E, como manda a sharia, toda representação humana ou divina, deveria ser destruída. Entre estas representações, a mais simbólica, os Budas gigantes de Bamyian, tornaram-se alvo dos talibãs.

Os apelos da UNESCO e a pressão diplomática dos países ocidentais não foram suficientes para demover os guerreiros. Pelo contrário, tal ato tornou-se, para eles, simbólico do seu poder e de sua autonomia ante os antigos mestres. Para financiar a compra de armas não mais necessitavam de ajuda americana. O comércio do ópio lhes fornece os recursos de que precisam. Em março de 2001 as duas gigantescas estátuas foram transformadas em disformes blocos de pedra pela explosão de centenas de quilos de dinamite. Tudo filmado e disponibilizado na internet. Era o fim das estátuas dos Budas gigantes de Bamyian. O governo norte-americano lamentou o episódio mas foi incapaz de reconhecer que aquela barbárie só se tornou realidade porque, na década anterior, havia colocado armas na mão de fundamentalistas religiosos que, ao darem-se conta de seu poder, não mais obedeciam às ordens de seus antigos patrões e resolveram continuar o seu percurso fundamentalista independentes de seus antigos tutores.

O governo japonês se dispôs a reconstruir as estátuas assim que a guerra na região terminar. Talvez demore... mas será uma reconstrução importante. Afinal, aquelas duas estátuas talvez só sejam comparáveis, em seu poder simbólico, á estátua da Liberdade na entrada do porto de Nova Iorque e à do Cristo Redentor do alto do Morro do Corcovado, no Rio de Janeiro. A estátua da Liberdade está bem protegida pelos serviços de segurança norte-americanos. Já a do Cristo Redentor, talvez tenha que ser protegida antes que seja dinamitada pelas milícias fundamentalistas que começam a ser formadas no Brasil. Oxalá que não..., mas é bom precaver-se!

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O Evangelho de Satanás


A cada ano, geralmente no tempo da Quaresma ou do Natal, quando os sentimentos religiosos estão mais à flor da pele, a mídia sensacionalista mancheteia a descoberta de um novo Evangelho que durante milênios teria sido ocultado pela Igreja. Com o aval de um “cientista” de um instituto de pesquisa que ninguém sabe onde se localiza, sites sensacionalistas, jornais precisando chamar a atenção de leitores, emissoras de televisão em crise de audiência e rádios de duvidável credibilidade vão passando a informação adiante sem se perguntar da confiabilidade das fontes e da fiabilidade da informação. As redes sociais se encarregam de fazer o resto e logo uma multidão de pessoas está convicta de que descobriram uma namorada, a esposa ou um filho de Jesus.

Uma pesquisa mais atenta sobre o tema leva à conclusão de que se trata, na maioria dos casos, senão todos, da exploração requentada de uma cópia falsificada de um suposto fragmento de um texto apócrifo do séc. V que foi descoberto numa biblioteca do séc. XII!... Mas muita gente acredita e passa a escrever textos e textos sobre a hipocrisia da Igreja que tenta ocultar a verdade sobre Jesus e os youtubers do sensacionalismo produzem vídeos e mais vídeos que incautos assistem e compartilham em suas redes sociais na ânsia de convencer a mais e mais pessoas de que aquilo é verdade.

Por que tudo isso acontece? Por um lado, como já dissemos, pela necessidade da mídia em produzir conteúdos que chamem a atenção do público. E, conteúdos religiosos, principalmente quando tem um viés sensacionalista e mexem com a imaginação, sempre vendem bem. Por outro lado, o dos consumidores deste tipo de informação, está o desejo do novo, do extraordinário, do inaudito, do nunca visto que possa talvez preencher de uma vez por todas o vazio das pessoas carentes de sentido em meio a um mundo individualista e sensacionalista. Na verdade, este tipo de informação, nada diz a respeito de Jesus. Mas diz muito a respeito das pessoas que as buscam e nelas projetam seu eu e suas próprias necessidades, reais ou imaginárias.

Lembrei destes fatos ao ler nesta segunda-feira o texto da Liturgia Diária da Carta de Paulo aos Gálatas onde diz: Admiro-me de terdes abandonado tão depressa aquele que vos chamou, na graça de Cristo, e de terdes passado para um outro evangelho. Não que haja outro evangelho, mas algumas pessoas vos estão perturbando e querendo mudar o evangelho de Cristo. Pois bem, mesmo que nós ou um anjo vindo do céu vos pregasse um evangelho diferente daquele que vos pregamos, seja excomungado. Como já dissemos e agora repito: Se alguém vos pregar um evangelho diferente daquele que recebestes, seja excomungado. Será que eu estou buscando a aprovação dos homens ou a aprovação de Deus? Ou estou procurando agradar aos homens? Se eu ainda estivesse preocupado em agradar aos homens, não seria servo de Cristo. Irmãos, asseguro-vos que o evangelho pregado por mim não é conforme a critérios humanos. Com efeito, não o recebi nem aprendi de homem algum, mas por revelação de Jesus Cristo. (Gl 1,6-12).

É um texto forte. Paulo excomunga da comunidade aqueles que pretendem alterar o Evangelho por ele anunciado. Nem que fosse um anjo que anunciasse um Evangelho diferente do recebido por Deus, deveria ser excomungado!

Pobres dos autores dos apócrifos. E pobres dos divulgadores de apócrifos, tão comuns, infelizmente, em nossos dias... Pobres daqueles que, mesmo ouvindo “amai-vos uns aos outros”, bradam a todos os ventos “armai-vos uns contra os outros”; pobres daqueles que, mesmo lendo “não matarás”, pregam a pena de morte; pobres daqueles que, ao invés de oferecer a outra face como ensinou Jesus, semeiam o ódio e o terror entre os pobres e desprotegidos; pobres daqueles que ao invés de repartir com os milhões de irmãos necessitados e famintos, acumulam insensatamente suas riquezas que as traças e a ferrugem hão de comer; pobres daqueles que do alto dos telhados, ao invés de proclamar a verdade, espalham mentiras, calúnias e fake news contra seus adversários; pobres daqueles que ao invés de descobrir que, em Jesus, não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher, discriminam as pessoas por sua origem étnica, condição social ou de gênero; pobres daqueles que percorrem mares e terras para fazer um prosélito e, depois que ele dizima em sua igreja, transforman-no num “filho do inferno duas vezes mais infernal” do que seus próprios pastores... Pobres enfim daqueles que levantam templos em honra a Deus e destroem o templo mais sagrado que é o corpo do irmão e da irmã.

É um novo Evangelho que está circulando, inclusive dentro de muitas igrejas. E, como todo apócrifo, perigoso porque se disfarça com o discurso da verdade e da religião. Como todo apócrifo, precisa ser desmascarado. E, caindo a sua máscara, deixar que se divise o verdadeiro rosto dos que o propagam para semear a discórdia e a divisão, a mentira e a morte, os frutos daquele que divide, os frutos do diabo, satanás.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

A opção é sua!


Ser de direita ou de esquerda, é uma opção política. Em ambos os casos, nada mais do que uma opção política. A primeira privilegia o indivíduo e o capital. A segunda - a esquerda - privilegia o comunitário e o trabalho. Entre as duas opções, há vários tons, tanto de esquerda como de direita. Os mais conhecidos: centro-esquerda e centro-direita. E tem também os que se dizem de "centro": nem esquerda e nem direita. Não sei muito bem o que isto significa. Mas, se há alguém que se autodenomina assim, é porque isso faz sentido para ele...
Ser democrata ou ser fascista, já não é mais uma questão política. Ser democrata ou ser fascista, é uma opção ética. É uma escolha entre a convivência humana baseada no reconhecimento do outro enquanto sujeito de direitos e deveres. Essa é a opção democrata. Já os fascistas, na base de sua opção está a afirmação de que há seres humanos que são superiores e outros que são inferiores e que os superiores tem o "direito" de dominar e até eliminar os inferiores.
No presente processo eleitoral, temos candidatos de esquerda e de direita. E de centro esquerda e de centro direita. E candidatos que se dizem de centro... João Amoedo, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Álvaro Dias, por exemplo, são candidatos de direita. Boulos e Haddad são assumidamente de esquerda. Ciro se diz e pode ser dito de centro esquerda. Marina e Daciolo, não sei como classificá-los... Os argumentos por eles apresentados dificultam uma identificação clara de seu posicionamento político.
Todos eles têm algo em comum: lançaram-se ao pleito tentando conquistar votos da sociedade brasileira. E todos eles, pelos que pudemos constatar, aceitarão os resultados da eleição.
Minha opção política, como é do conhecimento de todos os que observam minhas postagens, é de esquerda. Privilegio o comunitário e os trabalhadores e trabalhadoras acima do individual e do capital. É uma opção que tomei e mantenho a partir dos princípios humanitários de minha formação pessoal e de minhas convicções religiosas.
E essa minha opção pelo comunitário e pelos pobres inclui a opção democrática. Creio que a convivência com o diferente e a resolução das diferenças deve dar-se pelo diálogo e, no caso da administração do poder e do Estado, pela disputa democrática.
Baseado nisso, respeito os que fazem a opção pela direita. Admiro o João Amoedo, o Meirelles e o Alckmin que, mesmo não "decolando" nas pesquisas eleitorais, mantém-se na disputa e apresentam argumentos para tentar convencer os eleitores. Da mesma forma os candidatos de esquerda. Boulos, Haddad, Ciro... certamente aceitarão os resultados eleitorais.
Mas há um candidato que, desde o início da campanha apresenta-se como um candidato anti-democrático. Afirma não conhecer nada de economia. E nem se interessa por isso. Seu único objetivo é acabar com as pessoas e grupos sociais que se apresentam, a seu modo de ver, como incompatíveis com sua proposta de sociedade. Ontem, dia 28 de setembro, este candidato, em entrevista a um apresentador de televisão também de tendência fascistóide, afirmou explicitamente que não irá aceitar outro resultado que não seja o da sua eleição. Essa postura já não é uma postura política. É uma postura ética inaceitável por quem se proclama do campo democrático.
Essa afirmação do candidato do qual declino pronunciar o nome é um teste para a maturidade de nossa democracia. Se a democracia brasileira sobreviver a essa reivindicação autoritária, ela terá dado um passo acima no patamar da convivência democrática.
E, é o que quero ressaltar, depende da nossa disposição de eleitores. O tamanho da derrota do candidato antidemocrático será a medida da capacidade democrática da sociedade brasileira. Cada voto a menos dado ao inominável, será um voto a mais para a democracia brasileira.
Vote em quem manda sua opção política. Vote em candidatos de direita ou de esquerda. Só não vote no candidato antidemocrático. Com a democracia não se brinca e nem se tergiversa. É uma questão ética.