quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

VOCÊ SABE QUEM É BERRY BENNELL?


A maioria de meus parcos leitores, com certeza, nunca ouviu falar de Berry Bennel. Tranquilos! Não há nenhum culpa nisso... Afinal, só mesmo um brasileiro maluco por futebol poderia saber quem é esse misterioso personagem. Eu não sou maluco por futebol. Falo dele por outro motivo que logo vocês verão, interessa a mim e a todos.

Mas qualquer inglês que tenha mínimas noções do esporte bretão que se joga com os pés, sabe quem é ele. De 1982 a 1994, Berry Bennel foi coordenador e treinador do Crewe Alexandra, clube da Quarta Divisão do Futebol Inglês. Não seria grande coisa, mas, além disso – e o que o tornou famoso – ele também era “olheiro” do Manchester City, do Chelsea e do Stoke City, clubes de primeira grandeza e “sonho de consumo” de qualquer iniciante no futebol. O faro futebolístico de Bennel em descobrir novos talentos fez com que fosse considerado o melhor olheiro das categorias de base de toda a Grã-Bretanha. E, nessa função e com tal fama, ele tinha acesso irrestrito a todos os garotos – a maioria de origem pobre – que sonhavam com um futuro melhor para eles e suas famílias graças ao talento futebolístico.

E aí se revelou o “lado monstro” de Bennel. Aproveitando-se do acesso aos garotos e a seus alojamentos, o treinador e olheiro construiu uma sórdida carreira de predador sexual que tem no currículo o registro de mais de cem meninos, entre 8 e 15 anos, abusados por ele. Sua carreira de pedófilo só foi interrompida por ocasião de uma excursão de seu time de crianças aos Estados Unidos. Longe da proteção que os grandes times poderiam lhe dar, foi preso pela justiça americana e condenado. Com a publicitação do fato, outras denúncias surgiram e ele foi deportado para a Inglaterra onde foi condenado a 30 anos de prisão.

Uma de suas vítimas, o ex-zagueiro Andy Woodward, esteve no Brasil no início de 2018 e, em várias cidades, proferiu uma séria de palestras sobre sua experiência e a necessidade de livrar o futebol deste tipo de predador. Sua visita estava relacionada ao escândalo que veio à tona nas categorias de base do Santos Futebol Clube onde o também “olheiro” Ricardo Marco Crivelli, conhecido como “Lica”, foi denunciado pelo jogador Ruan Pétrick Aguiar de ter abusado dele e de outros dos meninos da Vila Belmiro.

Na mesma época, na Argentina, o Independiente foi palco de outro escândalo que envolvia não apenas pedofilia, mas também prostituição de menores. Um jogador maior de idade e um árbitro de futebol agenciavam os atletas de base da equipe como “garotos de programa”.

Uma rápida busca na internet mostra inúmeros outros casos, tantos nos grandes clubes como nos pequenos clubes e escolinhas de futebol do interior onde o abuso sexual é moeda de troca para a possibilidade de inserção e ascensão no mundo da bola.

Apesar disso tudo, não tenho notícia, até hoje, de que a todo poderosa Sra. FIFA tenha convocado uma Assembleia Geral com os Presidentes de todas as Confederações Nacionais de Futebol para discutir um modo de punir os “olheiros”, treinadores, pessoal técnico e dirigentes que abusam – ou são coniventes - dos meninos que, supostamente, estariam sob sua guarda e proteção. E assim, pelo que parece, tais episódios continuarão a se reproduzir para a triste sorte de nossos meninos...

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O SÍNODO PARA A AMAZÔNIA E O ESTADO LAICO

Causou espécie nas últimas semanas a informação divulgada por membros do alto escalão das Forças Armadas de que o Governo brasileiro estaria preocupado com o Sínodo sobre a Amazônia a ser realizado pela Igreja Católica mês de outubro de 2019. Mais espantosa foi a afirmação – primeiro confirmada e depois desmentida – de que bispos estariam sendo espionados e que haveria a intenção de setores do governo em interferir no Sínodo para que este não abordasse temáticas tidas como sensíveis tanto do ponto de vista econômico, político, ecológico e de segurança nacional.
Tal atitude por parte do Governo não era vista desde a redemocratização e fazia lembrar os tempos da recente ditadura militar em que, não só a Igreja, mas toda a sociedade, era mantida sob a vigilância e, se necessário, controle, pela persuasão ou pela força. Se há a vontade de controlar a Igreja Católica, quem poderá sentir-se livre? Imediatamente levantaram-se vozes, tanto na Igreja como na sociedade, contra esta suposta pretensão. Houve, como dissemos, também os desmentidos. Mas, como diz o ditado, “onde há fumaça, há fogo”.
Olhada no curto prazo, este episódio é, pela maioria dos analistas, situado dentro do quadro político resultante das eleições de 2018 onde venceu, em nível federal e na maioria dos Estados, um aglomerado de forças de corte neo-liberal no que tange ao econômico e marcadamente neo-fascista na sua proposta política e social. O Sínodo, por abordar temáticas sociais, culturais e ambientais, se coloca nos antípodas dessa corrente hoje hegemônica no Brasil e poderia soar como uma nota fora do tom no discurso monocórdico da propaganda governista e de sua mídia oficialista. E, como soe acontecer em governos de caráter fascista, toda voz discordante tem que ser calada e, se for o caso, eliminada.
Sem desmerecer este contexto próximo, a polêmica necessita ser situada no longo prazo e na tradição que remonta ao Brasil Colonial e ainda está muito presente na cabeça e nos corações de muitos brasileiros de que o Estado e a Igreja devem estar unidos para a manutenção da ordem social. Este modo de pensar, nascido com
Constantino e consolidado na Cristandade Medieval, foi institucionalizado no Padroado Colonial Português e em seu sucedâneo, o Padroado Imperial através do qual Dom Pedro I e Dom Pedro II outorgavam-se o direito de governar a Igreja Católica através do Ministério da Justiça. Até mesmo os revoltosos farrapos, aqui no Rio Grande do Sul, ao criar a fantasmagórica República de Piratini, nomearam ao Padre Chagas como Vigário Apostólico e chefe da Igreja Católica no Rio Grande do Sul. Em outras palavras, um “Papa” farroupilha para o Estado Farroupilha.
Verdade que a primeira Constituição Republicana de 1891 estabeleceu a liberdade religiosa e a separação entre Igreja e Estado. Mas uma união tão longa deixa marcas profundas nas duas partes que a compõem. E, depois de três curtas décadas de separação litigiosa, Igreja e Estado, através do Cardeal Leme e de Getúlio Vargas respectivamente, reataram, não legal, mas factualmente, a união entre os dois poderes naquilo que é conhecido como “neo-cristandade”.
Esse arranjo só foi colocado em crise pelo Golpe Civil-Militar de 1964 e a cruenta ditadura que se seguiu e que, em sua sanha persecutória a toda e qualquer fora de resistência, não titubeou em prender, torturar e matar a dezenas e dezenas de leigos, leigas, religiosos, religiosas e sacerdotes católicos. Contra estas ações, bispos formados dentro do espírito do Vaticano II, com coragem e valentia, se opuseram e constituíram um dos focos de denúncia contra o que vinha acontecendo no Brasil.
Se, nestes episódios das décadas de 1970/80, parte da Igreja Católica aprendeu que Igreja e Estado devem manter-se cada qual com sua identidade e missão própria e que, se em algumas circunstâncias podem operar cooperativamente, nenhuma das duas instituições pode querer utilizar a outra como instrumento para seus fins próprios. É, em outras palavras, o princípio do Estado Laico que faz bem tanto para o Estado como para a Igreja.
Mas, infelizmente, nem todos aprenderam com as lições da história e hoje vemos, no Brasil, renascer o desejo de um Estado teocrático ou de uma Igreja Imperial. E isso não só no mundo católico, mas com mais força e ressonância no campo das Igrejas pentecostais.
Isto posto, voltamos a afirmar que é importante, sim, denunciar a pretensa intenção do governo de imiscuir-se nos assuntos eclesiais. Mas é importante também, no quotidiano do agir eclesial e político, vencer a tentação da neo-cristandade e trabalhar para que o caráter laico do Estado – tanto no âmbito federal, como no estadual e municipal – seja respeitado e que as Igrejas tenham a liberdade para cumprir sua missão evangelizadora.