O fato é real. Aconteceu com uma senhora conhecida minha. Mas com certeza aconteceu a cada dia com outras tantas pessoas no Brasil. Pode até ter acontecido com algum conhecido seu.
No caso que vou contar aqui, trata-se de Dona
Cidinha. Uma mulher pobre de um bairro popular de uma cidade da Região
Metropolitana de Porto Alegre. Dona Cidinha é uma mulher pobre. E além de
pobre, é negra. Hoje está com em torno de 70 anos. Mas aparenta ter mais fruto de
uma vida de muito trabalho e sofrimento. Desde a infância Dona Cidinha
trabalhou em “casa de família”. Como milhões de mulheres, trabalhava e morava
na casa dos patrões. Isso até ter a primeira filha. Quando a menina nasceu, a
patroa disse que não podia morar na casa
com a menina. Se quisesse continuar a trabalhar, tinha que deixar a menina com
alguém. E foi com a avó que ela deixou a menina. Quando veio a segunda criança,
a mesma coisa. E também com a terceira. E as crianças foram sendo criadas pela
vó e sustentadas pelo trabalho de Dona Cidinha. Até o dia em que a patroa disse
que não precisava mais do serviço de Dona Cidinha. Cansada do Brasil, a patroa
ia se mudar para os Estados Unidos. E lá se foi a patroa para Nova Iorque. E
Dona Cidinha foi morar com a avó e as filhas que, a estas alturas, as duas mais
velhas, já eram mães também.
Mas a desgraça maior de Dona
Cidinha não foi perder o emprego. Foi saber que todos aqueles anos trabalhados
na casa da patroa não tiveram Registro em Carteira e ela não teria nem Seguro
Desemprego, nem Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Como recorrer à justiça
se a patroa já não morava no Brasil? Nenhum advogado quis assumir a causa. Por
sorte, Dona Cidinha, com a ajuda de uma Assistente Social, conseguiu encaminhar
o Benefício Continuado por idade. Foi a salvação para ela, suas filhas e suas
duas netas.
Mas a desgraça não tinha acabado
para Dona Cidinha. Aos dois meses, a mãe de Dona Cidinha faleceu. E poucos dias
depois uma de suas filhas também adoeceu e morreu. A outra se foi com um homem
morar na fronteira. A terceira ficou porque doente estava e não podia
trabalhar. E o dono da casa que a mãe de Dona Cidinha alugava aproveitou a
ocasião para pedir o imóvel de volta. E de uma hora para outra Dona Cidinha se
viu sem um lugar para morar, com uma filha doente e duas netas para cuidar.
Por sorte conseguiu nas
proximidades uma pecinha para morar. Pequena, apertada, calorenta no verão e
húmida no inverno. Mas era o que cabia no chuleado orçamento de Dona Cidinha. E
ainda havia a água e a luz. E a comida e os remédios seus e da filha doente.
Tudo pareceu se resolver quando
um dia Dona Cidinha foi ao banco retirar sua aposentadoria. A uma quadra do
banco, uma moça a abordou e, com uma gentileza que Dona Cidinha nunca tinha recebido
na vida, convidou-a a entrar na Financeira. E explicou-lhe que, se ela
quisesse, poderia dispor imediatamente de dez mil reais. E que esse empréstimo
seria pago em pequenas parcelas descontadas mensalmente de sua aposentadoria. E
o primeiro desconto só seria feita em três meses. Tudo muito fácil, sem
exigência nenhuma. Apenas uma cópia dos documentos e a assinatura nos papéis.
Dona Cidinha não queria acreditar. Mas era real. Não havia qualquer dúvida. E
ela aí viu a ocasião para fazer aquelas compras com que tanto sonhava, garantir
os remédios para a filha e uma melhor alimentação para os netos.
Com um frio na barriga vazia e o
coração a mil, Dona Cidinha mandou que preenchessem os papeis, assinou onde lhe
mandaram e saiu da financeira com o dinheiro apertado dentro da sacola
fortemente segurada pelas duas mãos. Foi para casa direto e no dia seguinte
começou a implementar seus sonhos com o tão precioso dinheiro. Foram três meses
de felicidade. A filha doente, com os remédios certos e a alimentação melhorada,
se sentiu quase boa. As netas, com as roupas novas e os brinquedos, até
melhoraram na escola. O problema começou no quarto mês quando começaram entrar
os descontos na aposentadoria. Os quase mil reais do salário mínimo baixaram
para pouco mais de seiscentos. E, no mês seguinte, baixaram ainda mais. E no
terceiro, mais ainda. Dona Cidinha não entendia o porquê isto estava
acontecendo. Foi à financeira onde tomara o empréstimo e lhe disseram que era
por causa dos juros. “Juros? Mas que juros?”, perguntou ela estupefata. “Vocês
não me disseram que ia ter juros!” “A senhora não perguntou!” respondeu a moça
com um sorriso amarelo no rosto. E Dona Cidinha soube ali que a cada mês seu
saldo iria diminuir por causa dos juros e que não havia nada a fazer, pois ela
tinha assinado sem ler!
No quinto mês Dona Cidinha não
pagou a conta da água. No seguinte, foi a vez da conta da luz atrasar. E também
o aluguel que atrasou já pelo segundo mês. E o remédio não pode ser comprado. E
a comida começou a faltar... Tudo porque não tinha perguntado de quanto seriam
os juros a pagar.
Penso na triste situação de Dona
Cidinha nestes dias em que um séquito de candidatos de todos os partidos passam
por nossas portas, ruas, rádios, jornais, televisão e internet oferecendo mil
maravilhas para hoje e para amanhã. Eles se parecem com a funcionária da
financeira que ofereceu o empréstimo a Dona Cidinha. São só sorrisos e
amabilidades. E dizem que tudo é fácil. Basta digitar o número deles e apertar
“confirma”.
Não podemos fazer como a pobre
Dona Cidinha e não perguntar de quanto será o juro a pagar por essas benesses
que nos oferecem. O Brasil já gasta, hoje, 43,98% do dinheiro arrecadado com
impostos no pagamento dos juros da dívida. Isso mesmo: quase metade do dinheiro
que pagamos em impostos são destinados ao pagamento dos juros da dívida
pública. E quem detém esta dívida? Os bancos, públicos e privados. E quem
estabelece de quanto vai ser o juro da dívida?
Quem estabelece os juros da dívida é o COPOM, um organismo do Ministério
da Fazendo composto, em sua maioria, por representantes do mercado financeiro,
ou seja, dos bancos. Alguns membros do COPOM fogem a essa regra. Mas são a
minoria. É a raposa cuidando do galinheiro. Imagina então, se colocarmos um
banqueiro ou um seu representante para governar o Brasil? Os bancos vão estar
com a faca e o queijo na mão para aumentar ainda mais a fatia dos impostos por
nós pagos e por eles apropriados.
Antes de votar, então, busque ver
qual é a proposta de política financeira de seu candidato. Mais concretamente,
busque saber como ele vai tratar a dívida pública. Qual vai ser a política dele
em relação ao Banco Central? Vai deixá-lo à mercê do mercado ou vai utilizá-lo
como instrumento de política pública? É bom saber antes de digitar o número e confirmar,
porque depois, quando ele começar a cobrar os juros, podemos ficar sem
educação, sem saúde, sem saneamento, sem investimento em infraestrutura... E aí
já não vai mais ter o que chorar! Será tarde demais!
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