A modernidade é a era da “colonialidade”. O neologismo
difundido pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano, quer expressar as relações
políticas e suas consequências econômicas, culturais, pedagógicas, étnicas, de
gênero... que foram construídas no Ocidente a partir do séc. XIV e resultaram
no euro-centrismo típico da modernidade. Eurocentrismo que teria sua expressão
maior no atual processo de globalização capitaneado pelo capital transnacional.
A colonialidade se expressou de forma brutal no modo
como as potências europeias – Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Holanda,
Bélgica, Alemanha, Itália, Rússia – invadiram, cada uma a seu turno,
territórios na América, África, Ásia e Oceania subjugaram militarmente os povos
nativos destes continentes, provocaram genocídios, exploraram as riquezas
naturais e impuseram sua cultura. É uma história que todos conhecemos e muitos
sofremos as consequências ainda hoje. A colonialidade não é algo do passado. Ela
se instalou de tal modo nas mentes e corações das pessoas – tanto dos
colonizadores como dos colonizados – que, muita vezes, parece ser difícil
superar suas expressões tanto no macro das relações internacionais como no
micro das suas manifestações culturais.
Dentro do histórico da expansão colonial europeia há
um fato muito particular que poucos conhecem. A Inglaterra foi a nação que
conseguiu manter pelo tempo mais prolongado uma colônia dentro da própria
Europa. Trata-se da Irlanda. A partir do séc. XX, a dominação inglesa sobre a
Irlanda sendo imposta de forma cada vez mais rígida. A propriedade das terras
passou a ser um direito exclusivo dos ingleses e só eles tinham representação
política. A língua nativa – o gaeilge
– foi substituído pelo inglês e as profissões liberais foram proibidas aos
nativos.
Dominados por todos os lados, os irlandeses
encontraram na religião o refúgio pra manter a identidade cultural. Por oposição
aos ingleses anglicanos, ser irlandês tornou-se sinônimo de ser católico romano.
E, dentro do catolicismo, a figura de São Patrício – o escravo do séc. V que
evangelizou a ilha verde – a grande referência de vida para os que resistiam ao
colonialismo.
A grande fome do séc. XIX – provocada pela exploração
inglesa e por um fungo importado do México – provocou a morte de mais de um
milhão de irlandeses e fez com que mais de outros dois milhões deixassem a ilha
em busca da sobrevivência. A maioria cruzou o Atlântico e se instalou na então
conflituosa e próspera nação dos Estados Unidos da América. Antes do afluxo de
latinos aos Estados Unidos, ser católico nos Estados Unidos equivalia quase que
normalmente a ser descendente de irlandeses.
Junto com a fome e os poucos pertences, levaram para
lá a tradição católica e a devoção a São Patrício expressa no nome de
incontáveis paróquias, instituições religiosas e sociais. Para um descendente
irlandês nos Estados Unidos, festejar São Patrícia é fazer memória do passado
de dominação colonial da Inglaterra sobre a Irlanda e, ao mesmo tempo, afirmar
a identidade cultural e a resistência de tantos homens e mulheres que deram a
vida para que, no início do séc. XX, a pequena ilha pudesse proclamar sua independência
e afastar definitivamente o sombrio passado colonialista inglês.
Há alguns anos, em Porto Alegre, assim como em outras
cidades brasileiras, começaram a pipocar, especialmente nos bairros nobres, as “Saint
Patrick’s Day”. Neste ano, em Porto Alegre, a Prefeitura autorizou a realização
de onze eventos ao ar livre com ocupação de praças e interrupção de ruas. Todos
eles acontecem nos bairros nobres de Porto Alegre. Decoração verde, trevos,
cerveja verde, música típica... fazem parte do menu disponibilizado.
Enquanto dirijo lentamente ao som de uma música
tradicional irlandesa à base de foles e violinos, pergunto às palhetas de meu
Peugeot 208 que bailam de um lado para outro em um ritmo que não combina com a
música se os organizadores da festa sabem quem foi São Patrício e a história
colonial da Irlanda e sua luta pela afirmação da independência econômica,
política e cultura. Como bom francês, meu Peugeot 208 responde um suave “penso
que não”. Concordo com ele. Lembro do Halloween, do Black Friday e da gravata
do Pelé na final do Copa de 1994. “Yes, nós temos banana, banana prá dar e
vender”, como dizia o samba de antigamente. E junto vai a Petrobrás, a Embraer
e a Base de Alcântara.
Enquanto deixo a Avenida Goethe e começo a descer a
Doutor Timóteo, a sanfona, acompanhada da zabumba, do triângulo e da
inigualável voz de Luiz Gonzaga me lembra que “Minha
vida é andar por este país, pra ver se um dia descanso feliz, guardando
as recordações, das terras onde passei, andando pelos sertões,
e dos amigos que lá deixei...” Sigo meu caminhando esperando encontrar,
na esquina com a Cristóvão Colombo, uma festa em homenagem a Antônio
Conselheiro. Não custa sonhar!
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