segunda-feira, 20 de abril de 2020

Viver para contá-la.


O escritor colombiano, Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel Garcia Márquez, abre o primeiro capítulo do primeiro volume – são três – de seu livro de memórias com uma frase que, por si só, já vale toda a leitura: “a vida não é o que se viveu, mas o que se recorda e como se recorda para contá-la”.
De fato, muitas coisas acontecem em nossas vidas. Algumas, logo as esquecemos. Outras, ficam gravadas em nossas memórias. Umas poucas, estamos sempre a contá-las e recontá-las para nós mesmos e para os outros. E, cada vez que as contamos as vamos contando de um modo diferente. Não porque o passado tenha mudado. Mas porque o contar e o recontar estas histórias muda as nossas vidas na medida em que as contamos de um jeito diferente de acordo à necessidade do presente.
Com efeito, o sentido de recordar e contar o que se viveu, não é apenas o de lembrar os tempos pretéritos. O principal efeito de contar a própria história, é dar sentido ao momento presente e assim abrir o caminho para o futuro que sonhamos. Contar o passado é dar sentido ao passado. É o primeiro passo. Mas é, ao mesmo tempo, compreender o presente e assegurar o futuro.
A passagem do Evangelho em que Jesus se encontra com os dois discípulos de Emaús mostra o quanto a intuição literariamente expressa de Gabriel Garcia Márquez dialoga com a experiência cristã. Estavam os dois discípulos fugindo de Jerusalém diante do horroroso espetáculo aí acontecido na Festa da Páscoa. Os romanos, a pedido dos chefes de Israel, haviam crucificado a várias pessoas. Entre elas, o mestre deles, Jesus. Eles estavam perdidos. Apesar de terem assistido a tudo, estavam sem nada compreender. Jesus se aproxima e convida-os a lembrar e contar o que havia acontecido. E, a partir dos eventos recentes, faz com eles uma longa viagem pela história do Povo de Israel, desde os mais longínquos até o presente. E, ao chegar em casa, depois de haver partido o pão como o povo o fizera ao sair do Egito, no deserto, ao chegar na Terra Prometida, no exílio na Babilônia, e como Jesus o partilhara tantas vezes com eles, encontraram o sentido de tudo o que acontecera e estava acontecendo: Deus não havia abandonado o seu povo. Pelo contrário. Aquilo que parecia uma desgraça, havia sido, na verdade, a graça de Deus.
Penso nisso ao imaginar como, daqui a dez, vinte, trinta, cinquenta anos, contaremos aos nossos filhos, netos e bisnetos, aquilo que estamos vivendo hoje. E, mais de o que contaremos, como o contaremos. Afinal, como bem remarca o escritor colombiano, o mais importante não é o que a gente vive. O que importa, de fato, é o que lembraremos e como o lembraremos para contá-lo aos que vierem depois de nós. E nisso, a intuição de Gabriel Garcia Márquez pode ser pensada também de um outro ângulo, ainda mais instigador. O do futuro que interroga o presente: teremos orgulho do que fazemos hoje ou vamos fazer tudo o que for possível para ocultá-lo a nossos filhos e netos?
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