O escritor colombiano, Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel Garcia
Márquez, abre o primeiro capítulo do primeiro volume – são três
– de seu livro de memórias com uma frase que, por si só, já vale
toda a leitura: “a
vida não é o que se viveu, mas o que se recorda e como se recorda
para contá-la”.
De
fato, muitas coisas acontecem em nossas vidas. Algumas, logo as
esquecemos. Outras, ficam gravadas em nossas memórias. Umas poucas,
estamos sempre a contá-las e recontá-las para nós mesmos e para os
outros. E, cada vez que as contamos as vamos contando
de um modo diferente. Não
porque o passado tenha mudado. Mas porque
o contar e o recontar estas histórias muda
as nossas vidas na
medida em que as contamos de um jeito diferente de acordo à
necessidade do presente.
Com
efeito, o sentido de recordar e contar o que se viveu, não é apenas
o de lembrar os
tempos pretéritos.
O principal efeito de contar a própria história, é dar sentido ao
momento presente e assim abrir o caminho para o futuro que sonhamos.
Contar o passado é dar sentido ao passado. É
o primeiro passo. Mas
é, ao mesmo tempo, compreender o presente e assegurar o futuro.
A
passagem do Evangelho em que Jesus se encontra com os dois discípulos
de Emaús mostra o quanto a intuição literariamente expressa de
Gabriel Garcia Márquez dialoga com a experiência cristã. Estavam
os dois discípulos fugindo de Jerusalém diante do horroroso
espetáculo aí acontecido na Festa da Páscoa. Os romanos, a pedido
dos chefes de Israel, haviam crucificado a várias pessoas. Entre
elas, o mestre deles, Jesus. Eles
estavam perdidos. Apesar de terem assistido a tudo, estavam sem nada
compreender. Jesus se aproxima e convida-os a lembrar e contar o que
havia acontecido. E, a partir dos eventos recentes, faz com eles uma
longa viagem pela história do Povo de Israel, desde os mais
longínquos até
o presente.
E, ao chegar em casa, depois de haver partido o pão como o povo o
fizera ao sair do Egito, no deserto, ao chegar na Terra Prometida, no
exílio na Babilônia, e como Jesus o partilhara
tantas vezes com eles, encontraram o sentido de tudo o que acontecera
e estava acontecendo: Deus não havia abandonado o seu povo. Pelo
contrário. Aquilo que parecia uma desgraça, havia sido, na verdade,
a graça de Deus.
Penso
nisso ao imaginar como, daqui a dez, vinte, trinta, cinquenta anos,
contaremos aos nossos filhos, netos e bisnetos, aquilo que estamos
vivendo hoje. E, mais de o
que
contaremos, como
o contaremos. Afinal, como bem remarca o escritor colombiano, o mais
importante não é o que a gente vive. O que importa, de fato, é o
que lembraremos
e como o lembraremos
para contá-lo aos que vierem depois de nós. E
nisso, a intuição de Gabriel Garcia Márquez pode ser pensada
também de um outro ângulo, ainda mais instigador. O do futuro que
interroga o presente: teremos orgulho do que fazemos hoje ou vamos
fazer tudo o que for possível para ocultá-lo a nossos filhos e
netos?
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