O
cristianismo é a religião da memória. No
sentido cristão, fazer memória não é apenas lembrar os fatos do passado. É lembrá-los, sim,
mas na medida em que eles continuam atuando em nosso presente e nos conduzindo
para o futuro.
O
cristianismo não inventou isso. É uma herança das raízes judaicas. Na Páscoa
judaica, o pai, ao redor da mesa com a família, lembrava aos filhos a
trajetória do povo, desde os tempos de peregrinação no deserto, a descida para
o Egito, a escravidão que sofreram durante quatro séculos e, finalmente, a
libertação que Deus lhes havia proporcionado. Recordar o passado de escravidão
e a libertação operada por Deus era a forma de vacinar o povo contra a sedução
das novas escravidões.
Na
última Páscoa que passou com seus discípulos, Jesus celebrou com eles a memória
da libertação. Como mandava a tradição repartiu o pão e o vinho. O pão lembrava
a comida para o povo faminto e o vinho a alegria pra os que viviam a dor e o
sofrimento. Era o compromisso de continuar fiel a Deus e fiel ao povo.
Jesus
pagou caro por sua fidelidade ao projeto de Deus de dar pão aos famintos e
alegria aos entristecidos. Foi crucificado e morto na cruz. Mas Deus o
ressuscitou e os discípulos reconheceram que Ele estava presente e atuante na
pessoa de Jesus. E que, para ser fiel a Deus, era preciso fazer a memória de
Jesus e de tudo o que Ele tinha feito.
Na
Vigília Pascal, renovamos nosso compromisso com Cristo. Fazemos a Grande
Memória da libertação do povo de Israel e da entrega de Jesus Cristo para a
nossa salvação. Na memória desse passado, afirmarmos nosso compromisso de viver
no presente aquilo que Jesus viveu afim de que o futuro seja de vida nova para
todos.
Este
ano, a Páscoa terá um sabor especial. As circunstâncias forçam-nos a vivê-la de
um modo diferente. Não haverá viagens. Não haverá festas. Nem celebrações
litúrgicas públicas. O isolamento social imposto pela Covid19 nos obriga a
passar a Páscoa em casa, com nossas famílias. Muitos a passarão sozinhos.
Outros em hospitais. E também haverá aqueles que a passarão chorando seus
mortos. Os “coelhinhos da Páscoa” desapareceram. Assim como raros serão os
chocolates. A mesa não será tão farta como costuma ser nas festas pascais.
Será
uma Páscoa diferente, de silêncio e de reflexão. Talvez a oportunidade para, em
meio à apreensão, à dor e ao sofrimento, retomarmos o costume de fazer a Memória
Pascal. Lembrar a ação libertadora de Deus e renovar o compromisso de, com
Jesus, colocar a nossa vida a serviço dos que tem a sua vida ameaçada pelo
coronavírus e pelos discursos de morte que ameaçam a sobrevivência dos débeis e
dos pobres.
Afinal,
como lembra Pedro em seu discurso na casa de Cornélio, “vocês sabem o que
aconteceu...”
Uma
boa Páscoa de Ressurreição a todos e a todas.
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