O tato é o mais
primitivo e o mais amplo dos sentidos humanos. Quando nascemos, nossos olhos
ainda estão fechados, nossos ouvidos ainda estão surdos... nosso contato com o
mundo se dá através da nossa pele.
O maior conforto para
uma criança, logo ao nascer, é ser colocada sobre o corpo da mãe. Sentir o
calor do corpo materno dá para o recém nascido o conforto e a segurança para
superar a violência do parto. O mesmo diga-se para a mãe. Sentir o corpo da
criança junto ao seu dá a ela a sensação de que tudo está bem com a criança.
Hoje, depois de séculos de uma medicina asséptica, médicos voltam a descobrir
essa realidade tão primitiva da experiência humana: o tato é o mais primitivo e
mais profundo dos sentidos. Ele nos remete ao início da vida.
O tato como primitiva
expressão da relação humana, também se manifesta quando queremos dizer a alguém
que o amamos. Não basta dizer. Temos que nos aproximar e demonstrá-lo
fisicamente. Num ambiente formal, simplesmente apertamos as mãos. É distante,
mas já é um contato. Quanto temos um pouco mais de proximidade, beijamos o
rosto da outra pessoa e nos deixamos beijar.
Quando esta proximidade
ainda é maior, a proximidade se aprofunda e partimos para o abraço que aperta
cada vez mais na medida em que queremos expressar a profundidade do sentimento
que experimentamos pelo outro.
Num casal de amantes, o
beijo, do rosto, passa aos lábios, à boca, fazendo-se expressão do encontro
total dos dois que já não são dois, mas passam a ser um. A culminância do encontro
táctil se dá na relação sexual, momento em que todo o corpo é tocado, na sua
exterioridade e na sua intimidade, pelo corpo do outro.
Muitas vezes, quando
representamos os sentidos, para falar do tato, desenhamos as mãos. Ledo engano.
As mãos são a ínfima expressão do tato. O tato está presente em toda a
superfície de nossa pele. Da ponta dos dedos dos pés até o alto da nuca. São,
em média, dois metros quadrados de pele com cinco tipos de sensores que
permitem ao nosso corpo sentir o mundo ao seu redor. Sentimos frio, calor,
prazer e dor. É o sentido quantitativamente mais amplo no ser humano. Quando
pisamos numa superfície quente ou fria, é o tato que está na sola dos nossos
pés que sente. Todos já sentimos um frio subir pelas pernas. Ou um frio na barriga.
Ou um calor... ou frio na nuca, nas costas, no ventre! Toda a superfície de
nosso corpo é táctil. Ao mesmo tempo que protege o interior do nosso corpo, a
pele nos coloca em contato e comunicação com o exterior.
Convido-as também a
pensar em situações em que o sentido do tato não é permitido. Por exemplo, uma
mãe que, ao parir o filho ou a filha, é privada do contato com a criatura que
saiu de seu ventre. Não poder tocá-lo, sentir seu calor, sua pele, tê-lo sobre
seu regaço... E, do lado da criança, como medir o trauma de sair do calor do
ventre materno e não mais ter contato com aquele corpo que o gerou? Penso nas
crianças que nasciam nos leprosários. Conheci o de Itapuã, em Viamão, pertinho
de Porto Alegre. As mães leprosas, ao engravidar, sabiam que nunca tocariam
seus filhos depois que saíssem de seus ventres. A cadeira de parto, de madeira,
era colocada numa janelinha entre uma sala e outra. A sala das leprosas, onde
ficava a mãe e a sala dos sãos, onde ficava a enfermeira. Ao nascer, a criança
passava de uma sala para a outra. A criança apenas era mostrada para a mãe que
nunca poderia tocá-la...
Alguém já fez a
experiência de, ao estender a mão para saudar alguém, ter a mão do outro
negada? Ou então, de ver o rosto desviar-se quando se aproximava para o beijo?
Ou então, aquele abraço frio, mecânico, sem calor, sem sentimento?
Poderíamos também falar
– e é preciso falar – daquele toque da pele agressivo, violento, impositivo.
Aquele toque na pele indesejado, ofensivo, que as mulheres sofrem nos ônibus,
nos trens, nas ruas, nas festas, nas casas, na intimidade do lar e até nas
igrejas. O toque que se transforma em golpe, tapa, soco, estupro, quando a
mulher não consente em ter seu corpo tocado por quem ela não deseja.
E as crianças que tem
seus corpos tocados de forma violenta por parte de quem esperavam carinho e
proteção. E seus corpos recebem agressão, violenta, na pele, no corpo, na
profundidade da alma. Agressões de forma tão violenta que, muita vezes, inibem
o próprio sentido do tato e acabam por tornar os corpos, individual e
socialmente, insensíveis e intocáveis.
É preciso reaprender a
tocar o intocável. E afastar o toque não consentido e não desejado que pode
deixar marcas de dor e sofrimento para o resto da vida.
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