quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Você sabe o que é caviar?

Com essa pergunta, Zeca Pagodinho inicia o refrão de uma das músicas mais questionadoras do seu amplo e excelente repertório. Ela nos chama atenção para o sentido do paladar. Um sentido que utilizamos muitas vezes ao dia e ao qual nem sempre damos a devida atenção mas que é fundamental para a nossa sobrevivência. É ele que nos permite realizar de forma eficaz uma das necessidades elementares do ser humano: comer!
Sem comer, morremos por inanição. Mas também não podemos comer qualquer coisa. Comer sem critério, também pode levar à morte. Não apenas porque podemos comer demais. E esse é um dos grandes males da atualidade, a obesidade. Mas também porque podemos comer algo que faça mal à nossa saúde.
A função do paladar é selecionar aquilo que comemos. Fazemos isso através dos milhares de botões gustativos – assim os chamam os estudiosos da anatomia humana – que recobrem nossa língua e nos permitem identificar os alimentos e classificá-los conforme os cinco gostos básicos: doce, salgado, amargo, azedo e umami.Através desta seleção básica, o corpo identifica o que é bom para ser comido e o que pode fazer mal ao corpo.
Mas, além do gosto, existe também o sabor. Gosto e sabor não são a mesma coisa. O gosto é a reação química do corpo diante do que é colocado na boca. Sabor, é algo mais complexo. É a combinação do gosto com outros sentidos – a visão, o tato e o olfato – e com toda uma aprendizagem do que é agradável e desagradável. Por isso, há comidas que são amargas e consideradas saborosas; outras, também amargas, consideradas como não saborosas. O mesmo com comidas ácidas, salgadas e doces... Há um doce que dá prazer; outros doces que são nojentos e nosso corpo rejeita. E a mesma comida ou bebida, para um grupo social pode ser considerada saborosa enquanto para outro é asquerosa. Tudo é uma questão de aprendizagem.
Por isso, o paladar, além de um fato biológico, é também um fato cultural. E, por tocar algo que é fundamental ao ser humano, é um elemento fundamental para identificar uma sociedade. Como nos lembrar os sociólogos Farb e Armagelos, “em todas as sociedades, o ato de comer é o modo básico de iniciar e manter relações humanas. Quando o antropólogo descobre onde, quando e com quem se dá a alimentação, pode-se inferir quase tudo mais sobre as relações entre os membros da sociedade. Saber o quê, onde, como, quando e com quem as pessoas comem é conhecer o caráter de sua sociedade”.
Voltando a Zeca Pagodinho, há gente que faz questão de dizer que come caviar e toma champanhe francês. Outros, preferem arroz, feijão, ovo frito e torresmo. Os primeiros, normalmente, o fazem por opção. Os segundos, os que comem todo dia feijão, arroz e ovo frito, normalmente o fazem porque não tem outra opção.
A capacidade da comida em revelar quem são as pessoas e como é a sociedade é tal que poderíamos dizer: “diga-me o que e com quem comes, e eu te direi quem tu és”. Ou, como diz o velho filósofo Feuerbach, “o ser humano é aquilo que come”.
Em qualquer uma das nossas cidades, é fácil saber quem come nos restaurantes onde um almoço ou janta passa dos cem reais e os que almoçam todos os dias no Restaurante Popular ou então nos sopões dos Centros Espíritas. Os que comem num lugar, não se misturam com os que comem no outro. Cada um na sua mesa e com suas companhias.
Os restaurantes são seletivos. A comida é seletiva. O paladar é seletivo. E seletiva é a sociedade, como a brasileira, que, segundo dados da EMBRAPA, 40% do alimento produzido é desperdiçado, desde o início do processo de sua produção, na colheita, no armazenamento, transporte, distribuição, preparação da comida e até o descarte depois das refeições realizadas. Enquanto isso, 20% da população brasileira sofre de carência alimentar... Nos Estados Unidos, o desperdício é de 50% do produzido. Com a comida desperdiçada só nos Estados Unidos, seria possível saciar todos os famintos do mundo.
Assim que, ao comer, somos convidados a sentir o sabor dos alimentos. Mas a também perguntar-nos por quem está à nossa mesa e também por aqueles que não tem uma mesa e com quem comer e muito menos o que comer. Bom apetite!

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