Estamos tão habituados com o fato de enxergar, que
dificilmente nos imaginamos cegos ou impedidos de ver. O mundo, tal qual o
organizamos, é um mundo de videntes e para videntes. Uma pessoa que não enxerga
tem muita dificuldade para habituar-se e conviver no mundo ordinário.
Estamos tão acostumados com o verbo ver que, mesmo
quando a experiência se refere a outros sentidos, usamos, para indicá-la,
muitas vezes, a expressão “ver”: “Viu” que música bonita? “Viu” como fazia
calor? “Viu” o cheiro daquela coisa? Vivemos, mentalmente, uma dominância do
sentido da visão.
E isso porque a visão é o sentido da dominação.
Quando chegamos a um lugar novo - tal qual cães que vão sinalizando o
território através de sinais odoríferos urinários - nosso primeiro instinto é
dar uma volta para ver o que existe
naquele lugar. Dificilmente paramos para ouvir, cheirar, apalpar, saborear...
Queremos ver! E, de preferência, ver do lugar mais alto para ter uma visão
ampla, abrangente, dominadora.
Hoje, mais do que nunca, a imagem é a rainha da
comunicação. Quem não é visto, não existe. Nas redes sociais, o ideal é
alcançar o máximo possível de visualizações. Uma postagem, em qualquer uma das
redes sociais, se não é visualizada, é como se não existisse.
E, como todas sabemos, quanto mais chamativa ao olhar
for uma foto, mais visualizações ela terá. Uma postagem sem foto, é muito
provável que passará desapercebida nas redes sociais!
Por outro lado, somos incapazes de ver o nosso
próprio rosto. Só podemos vê-lo no espelho. Mas o espelho não somos nós.
Diferentemente do que muitos pensam, o espelho é apenas o reflexo do nosso
rosto, e não o nosso rosto. Muitas vezes esquecemos isso e pensamos que o que
vemos no espelho somos nós...
Por isso, talvez, seja verdadeiro o que dizia o
Pequeno Príncipe: “o essencial é invisível aos olhos”. É a ânsia insaciada e
insaciável de ver o próprio rosto que nos leva ao desejo infindo de ver imagens
que, esperaremos eternamente sem nunca sermos satisfeitos, reflitam o rosto que
somos. Mas, feliz ou infelizmente, precisamos nos conformar ao fato de que não
teremos jamais a possibilidade de nos divisarmos a nós mesmos tal qual somos. E
esse é um desejo eterno que pode nos levar, tal qual novos Narcisos, à morte
pela inanição contemplativa do próprio rosto invisível.
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