Assim como a liberdade,
a igualdade e a fraternidade, a democracia é masculina. Não importa se os
artistas que celebrizaram a Revolução Francesa de 1789, num lapso
involuntariamente contraditório, sempre representaram estes ideais com figuras estupendamente
femininas. Só para citar um entre os tantos exemplares icônicos, basta ver a
anônima obra Allegorie auf
die Werte der Verfassung nach der Französischen Revolution.
Mas o fato é que
naquela revolução burguesa, assim como em todas as que se seguiram pela Europa
e pelo mundo, as mulheres sempre permaneceram excluídas dos processos
decisórios de seus povos. O direito ao voto feminino sequer foi cogitado pelos
revolucionários gauleses. O mesmo deu-se em outros povos que, paulatinamente,
foram instaurando sistemas democráticos para o governo de seus países.
O voto das mulheres só
foi reconhecido depois de intensas lutas das “sufragettes”. Ser chamada de
“sufragista” na Europa ou nos Estados Unidos do final do século XIX e início do
século XX era uma ofensa terrível. Algo mais ou menos parecido com o que hoje
se atribui através da pecha de “ideologia de gênero” ou “gayzista”. Ser sufragista,
segundo os defensores da democracia masculina da época, era querer inverter os
papéis sociais do masculino e do feminino e acenar com a hipótese de que as
mulheres eram tão capacitadas quanto os homens para escolher os dirigentes da
sociedade e – extrema pretensão! – até poderem ser eleitas para governar.
Mesmo que a legislação
de muitos países não impedisse, formalmente, que as mulheres votassem, era
senso comum e poucos ousavam questionar o fático impedimento. Foi na Inglaterra
que o movimento pelo direito à participação política das mulheres ganhou vigor
ainda no século XIX. Mas foi necessária a morte, em 1913, da militante Emilly
Davidson sob as patas do cavalo do Rei da Inglaterra para que a causa ganhasse
repercussão. E foi necessário também que, durante a Primeira Guerra Mundial, as
mulheres inglesas fossem chamadas a exercer funções até então reservadas aos
homens para que a sociedade tomasse consciência de que as mulheres, sim, podem
exercer as mesmas funções dos homens. Com tudo isso, só em 1928 na Inglaterra
as mulheres passaram a ter o direito de votar e serem votadas.
Coincidentemente, foi
neste mesmo ano que, no Brasil, um grupo de mulheres venceu a barreia masculina
e pode aproximar-se das urnas. Isso aconteceu na cidade de Mossoró, no Rio
Grande do Norte. E o direito não foi conseguido através de lei, mas por decisão
judicial. No mesmo ano de 1928, em Minas Gerais, Maria Ernestina Carneiro
Santiago Manso Pereira, conhecida como Mietta Santiago, além do direito de
poder votar, conseguiu o direito de ser votada. Como candidata a Deputada
Federal, fez um único voto, o dela mesma. E mais: a Justiça eleitoral, depois
das eleições, anulou todos os votos femininos. Mas o movimento iniciado no Rio
Grande do Norte e em Minas Gerais se espalhou pelo Brasil e, em 1932, a reforma
eleitoral de Getúlio Vargas estendeu este direito ao todo o país.
Hoje, no Brasil, as
mulheres não encontram nenhuma barreira formal para votar e serem votadas. Mas
ainda há barreiras culturais difíceis de serem vencidas. Por isso a legislação
eleitoral obriga os partidos a apresentarem 30% de candidatas mulheres. E
agora, 30% dos recursos do fundo público para as eleições devem ser destinados
a candidatas mulheres. Mas, mais uma vez, são apenas leis. Na real, nas
eleições de 2016, dos candidatos que não receberam nenhum voto, 86% eram
mulheres. Ou seja, apresentou-se o nome de uma mulher apenas para preencher uma
formalidade legal. Mas, de fato, elas não concorreram. E, dado que não deixa
mentir ou enganar, apenas 11% do parlamento brasileiro e composto por mulheres.
Temos neste quesito uma das piores performances do mundo.
E nesta eleição de
2018, como será? O que presenciamos até agora nesta etapa preparatória parece
indicar que avançaremos para o retrocesso. Nas candidaturas proporcionais, a
cota de 30% foi registrada. Mas é muito provável que, mais uma vez, seja uma
mera formalidade e as candidaturas femininas permaneçam no esquecimento
partidário.
Nas chapas
majoritárias, salvo raras e honrosas exceções, as mulheres continuam sendo
ínfima minoria. Das 13 candidaturas registradas, apenas duas são de mulheres.
Quatro candidatos apresentam mulheres como vice. E sete são as chapas
exclusivamente masculinas. Já em São Paulo, o principal Estado da Federação em
números eleitorais, das doze candidaturas ao Palácio dos Bandeirantes, apenas uma
é encabeçada por mulher. Oito candidaturas têm mulheres como vice. E destas,
oito, três são policiais militares.
Em relação a eleições
passadas, aumentou o número de mulheres como vice candidatas. Mas o que é ser
vice no Brasil? Salvo aqueles que entram com a intenção de derrubar o titular,
vice, no Brasil, na maioria dos casos, é algo meramente decorativo. O candidato
pinça uma vice de um determinado segmento social para obter penetração em um
espaço político que lhe é estranho ou que tem apelo popular. É o caso das vices
policiais militares de São Paulo que simulam responder ao clamor por segurança.
Mas isso garante a participação feminina nas eleições?
Temo que a resposta
seja negativa. E, mesmo que as mulheres ilustrem as campanhas dos candidatos
homens como as imagens femininas da Liberdade, Igualdade e Fraternidade
ilustraram as pinturas da propaganda revolucionária jacobina, no quesito de
efetiva participação das mulheres, continuaremos uma democracia
majoritariamente masculina.
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