Afirmar, como fez o
filósofo francês Joseph-Marie de Maistre (1753-1821),
que “cada povo tem o governo que merece” é, sem sombra de dúvida, ou suprema
ignorância ou, como foi o caso do ilustre francês aqui citado, uma manifestação
de desprezo pela democracia. Monarquista convicto, De Maistre não se conformava
com a ascensão da burguesia ao poder na França revolucionária e desejava a
volta ao “Ancien Régime” onde governavam aqueles que tinham “sangue azul”. Para
ele, governar um povo era uma concessão divina reservada à nobreza da qual,
como conde, fazia parte.
A afirmação
de De Maistre batia de frente com o princípio democrático recém instaurado que
afirmava que o poder nasce da vontade popular. Para o conde saboiardo, o
governante não deve responder aos anseios do povo mas às ordens de Deus, pouco
se importando se há contradição entre ambas. Mesmo que a posição de De Maistre
tenha sido considerada como retrógrada pela história, nas sociedades ditas
democráticas ainda podemos perceber que, mesmo dizendo-se que o governo nasce
do povo, tal afirmação é suscetível de questionamentos.
Com efeito,
o resultado das eleições nem sempre respeita o sentir e a vontade popular. Como
todos sabemos, há muitas formas de burlar a democracia. E estas múltiplas
formas vão desde as legislações e suas interpretações que excluem segmentos e
pessoas do certame eleitoral até o uso abusivo do poder econômico e midiático. O
que pode fazer um candidato que dispõe de pouco dinheiro e nenhum tempo de
rádio e TV contra candidatos que dispõe de milhões e um verdadeiro latifúndio
televisivo? A luta é desigual e nada democrática. O mais forte, geralmente,
vence.
Na verdade,
na realista expressão de Boaventura de Souza Santos, as democracias, numa
sociedade desigual, sempre são “democracias de baixa intensidade”. Elas
permitem a participação popular apenas e na medida em que esta não interfira no
poder daqueles que realmente detém o poder. No estágio atual da economia
capitalista, tais detentores do poder dão-se a conhecer não mais nominalmente,
mas apenas pelo etéreo nome de “mercado”. Há candidatos que “agradam ao
mercado” e há candidatos que “desagradam ao mercado”. Mas quem é o mercado? É o
sistema financeiro, ou seja, os donos dos bancos. E, se algum candidato que não
agrada ao mercado consegue vencer as barreiras que lhe são impostas e fazer-se
eleger pela vontade popular expressa no voto, corre o sério risco de não chegar
ao fim de seu mandato. Um rápido olhar pelos acontecimentos políticos da última
década na América Latina mostra o quanto tais fatos são recorrentes. Em ordem
cronológica, as crises políticas de Honduras, Paraguai, Venezuela, Peru,
Equador, Brasil, Argentina e, nos últimos meses, na Nicarágua, com datas e
nomes diferentes, são a luta dos eternos “donos do poder”, como diria Raimundo
Faoro, com intrusos que ousaram fazer-se eleger pela vontade popular.
Nas
eleições presidenciais que se avizinham, o jogo não vai ser diferente. Mas, ao
menos no quesito de nomes e identidades, haverá uma novidade. Com efeito,
tradicionalmente, os banqueiros, dada a natureza da profissão durante séculos
proibida pela Igreja, costumavam ser discretos e não expor seus nomes ao escrutínio
público. Mas desta vez tal regra não é respeitada por todos. Pela primeira vez nas eleições
presidenciais deste a restauração democrática de 1988, vamos ter banqueiros
disputando abertamente as eleições. Pelo menos dois dos candidatos – Henrique
Meirelles e João Amoedo - cumprem o quesito de ter uma longa ficha de serviço a
instituições financeiras que sugam quase a metade do total de impostos –
federais, estaduais e municipais – recolhidos anualmente no Brasil. Em outras
palavras, se um dos dois ganhar, ele vai unir as duas pontas do ciclo econômico
brasileiro que, por um lado, gera pobreza sugando a população através de
impostos e, por outro, deposita o recolhido nas anchas burras dos bancos. O
eleito seria, ao mesmo tempo, pagador e credor. Uma bela posição para o anônimo
Senhor Mercado.
Todos dirão
que as possibilidades destes dois Senhores do Mercado se elegerem são remotas. E,
de fato, não creio que alcançarão a meta. Mas nos darão a oportunidade de
perguntar: quem são os banqueiros que estão por trás dos outros candidatos? Ou,
pergunta mais sutil e que também deve ser feita: estão estes outros candidatos
dispostos a fazer frente ao sistema financeiro que governa o Brasil? Quais são
as medidas concretas propostas por cada um ou uma para contrarrestar a
onipotência dos bancos?
São
perguntas que não podem deixar de ser feitas pois, assim como cada candidato
tem o banco que o financia, cada povo também pode ter o banqueiro que merece.
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