terça-feira, 7 de agosto de 2018

Escrever é preciso, viver não é preciso!

Tarefa árdua a de escrever em tempos tão polarizados como os nossos. No mesmo momento em que qualquer indivíduo, relevante ou anônimo na cena social, afirma publicamente sua posição sobre um determinado tema, aparece imediatamente um outro defendendo veementemente posição diametralmente oposta. Parecemos todos envoltos num Fla-Flu de final de campeonato brasileiro.

O tema candente do momento na cena midiática brasileira é o da descriminalização do aborto. E logo aparece gente que, sem preocupar-se em saber do que trata o projeto, confunde a descriminalização com a liberação do aborto. E outros que vão além e afirmam que o projeto de lei institui a obrigatoriedade do aborto e que, se aprovado, todas as mulheres terão que, forçosamente, arrancar os fetos de seus ventos. E logo se instaura um Gre-Nal dos que são a favor do aborto e dos que são contra o aborto. Calma! Antes de entrar no mérito, perguntemo-nos: por que a suprema ministra do STF colocou em discussão essa temática justamente agora a poucas semanas das eleições presidenciais, estaduais e parlamentares, tanto a nível federal como a estadual? E mais: por que este tema sempre é colocado em questão em véspera de eleições? Será que não dá prá desconfiar? Sou tentado a prever que a atual ministra presidenta do STF não vá colocar em votação a questão antes das eleições e ela vai voltar daqui a quatro anos, justamente nas vésperas das próximas eleições...

Dei-me ao trabalho de assistir a alguns dos pronunciamentos feitos por representantes da sociedade na audiência pública relativa ao tema convocada pelo STF. A grande maioria, tanto no bloco a favor como no bloco contrário à aprovação do projeto de lei, me pareceram muito fundamentadas e sensatas desde o ponto de vista dos proponentes. Não vou aqui discutir o mérito de cada uma, pois não é esta a finalidade que aqui me proponho. O que me impele a escrever, é que, apesar daquelas argumentações sérias e consistentes, nos meios de comunicação tradicionais e nas mídias alternativas, seguia a todo vapor o Ba-guá com os que defendem uma posição demonizando a posição dos outros e, dos dois lados, a grande maioria sem apresentar argumentos a não ser o direito ao aborto e o direito absoluto à vida. Raros foram e são os que apresentam seus argumentos. Das poucas intervenções fundamentadas, a mais sensata me pareceu a de Frei Betto. Ela está disponível na internet. É só dar uma busca e logo aparece. E - pasmem! - malhada por radicais de ambos os lados! É isso que acontece com quem pensa e argumenta com lucidez...

O mesmo aconteceu com outro tema que, não sei por qual razão, de uma hora para outra, saiu das manchetes: a legalização do consumo de maconha. Mesma cena: há argumentos tanto a favor como contra que são solenemente esquecidos nas discussões superficiais promovidas por meios de comunicação mais interessados em aumentar sua audiência do que buscar uma solução para o problema da drogadição e da violência resultante do mercado clandestino de estupefacientes. Chega a ser cômico o esforço feito por emissoras de televisão patrocinadas pela indústria do álcool – uma droga legalizada, mas assim mesmo, sempre uma droga – contra a legalização de outra droga, a maconha. Os industriais e mercadores de cerveja não querem que os industriais e mercadores de maconha disputem com eles o mesmo mercado! Ou então, suspeita terrível se verdadeira for, são os mesmos que querem manter o comércio de uma droga legal e o de outra ilegal. Assim ganham tanto num esquema como em outro.

E agora, para alegria dos flafuzeiros, grenalistas e bagualeiros, estamos entrando na disputa eleitoral. E tudo o que não se quer neste cenário de democracia sequestrada e presa pela República de Curitiba, são argumentos. O campo já está sendo demarcado com linhas de pura emoção. A mensagem que nos passam é de que devemos deixar os neurônios em casa e colocar o fígado e a suprarrenal em campo para que a bílis destile seu verde amargor sobre os adversários! Nada de argumentos. A eleição é só emoção. Nós contra eles. A luta do bem contra o mal. As luzes contra as trevas. O progresso contra o atraso. A ordem contra o caos. A modernidade contra a velharia. E tantas outras formas de maniqueísmo que fariam o velho Santo Agostinho ruborescer!

Como argumentar nestes tempos sem argumentos? Confesso que às vezes tenho vontade de parar de escrever... Será que alguém lê meus textos até o fim ou já, desde a primeira linha, serei classificado como pertencente a esta ou àquela tendência e a leitura interrompida antes de eu poder expor meu primeiro argumento?

Se você chegou até aqui, por favor, faça-me saber! Será para mim um consolo e um estímulo. Será um bálsamos para minha atribulada alma de escritor improvisado. Faça isso, por favor, mesmo que eu tenha decidido que, nestes tempos em que muito se fala e pouco se escuta, é preciso continuar a escrever para que o pensamento não se intimide e morra na escuridão que querem nos impor. Parar de escrever é parar de pensar. E parar de pensar, é morrer. Não quero nem me deixar abortar e nem permitir que me entorpeçam com discursos de trevas e silêncio. A escrita é o trigo que mata a nossa fome de saber. Escrever é preciso, viver não é preciso.

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