Tarefa árdua a de escrever em
tempos tão polarizados como os nossos. No mesmo momento em que qualquer
indivíduo, relevante ou anônimo na cena social, afirma publicamente sua posição
sobre um determinado tema, aparece imediatamente um outro defendendo veementemente
posição diametralmente oposta. Parecemos todos envoltos num Fla-Flu de final de
campeonato brasileiro.
O tema candente do momento na
cena midiática brasileira é o da descriminalização do aborto. E logo aparece
gente que, sem preocupar-se em saber do que trata o projeto, confunde a
descriminalização com a liberação do aborto. E outros que vão além e afirmam
que o projeto de lei institui a obrigatoriedade do aborto e que, se aprovado,
todas as mulheres terão que, forçosamente, arrancar os fetos de seus ventos. E
logo se instaura um Gre-Nal dos que são a favor do aborto e dos que são contra
o aborto. Calma! Antes de entrar no mérito, perguntemo-nos: por que a suprema
ministra do STF colocou em discussão essa temática justamente agora a poucas
semanas das eleições presidenciais, estaduais e parlamentares, tanto a nível
federal como a estadual? E mais: por que este tema sempre é colocado em questão
em véspera de eleições? Será que não dá prá desconfiar? Sou tentado a prever
que a atual ministra presidenta do STF não vá colocar em votação a questão
antes das eleições e ela vai voltar daqui a quatro anos, justamente nas
vésperas das próximas eleições...
Dei-me ao trabalho de assistir a
alguns dos pronunciamentos feitos por representantes da sociedade na audiência
pública relativa ao tema convocada pelo STF. A grande maioria, tanto no bloco a
favor como no bloco contrário à aprovação do projeto de lei, me pareceram muito
fundamentadas e sensatas desde o ponto de vista dos proponentes. Não vou aqui
discutir o mérito de cada uma, pois não é esta a finalidade que aqui me
proponho. O que me impele a escrever, é que, apesar daquelas argumentações
sérias e consistentes, nos meios de comunicação tradicionais e nas mídias
alternativas, seguia a todo vapor o Ba-guá com os que defendem uma posição
demonizando a posição dos outros e, dos dois lados, a grande maioria sem
apresentar argumentos a não ser o direito ao aborto e o direito absoluto à
vida. Raros foram e são os que apresentam seus argumentos. Das poucas
intervenções fundamentadas, a mais sensata me pareceu a de Frei Betto. Ela está
disponível na internet. É só dar uma busca e logo aparece. E - pasmem! - malhada
por radicais de ambos os lados! É isso que acontece com quem pensa e argumenta
com lucidez...
O mesmo aconteceu com outro tema
que, não sei por qual razão, de uma hora para outra, saiu das manchetes: a
legalização do consumo de maconha. Mesma cena: há argumentos tanto a favor como
contra que são solenemente esquecidos nas discussões superficiais promovidas por
meios de comunicação mais interessados em aumentar sua audiência do que buscar
uma solução para o problema da drogadição e da violência resultante do mercado
clandestino de estupefacientes. Chega a ser cômico o esforço feito por
emissoras de televisão patrocinadas pela indústria do álcool – uma droga
legalizada, mas assim mesmo, sempre uma droga – contra a legalização de outra
droga, a maconha. Os industriais e mercadores de cerveja não querem que os
industriais e mercadores de maconha disputem com eles o mesmo mercado! Ou
então, suspeita terrível se verdadeira for, são os mesmos que querem manter o
comércio de uma droga legal e o de outra ilegal. Assim ganham tanto num esquema
como em outro.
E agora, para alegria dos
flafuzeiros, grenalistas e bagualeiros, estamos entrando na disputa eleitoral.
E tudo o que não se quer neste cenário de democracia sequestrada e presa pela
República de Curitiba, são argumentos. O campo já está sendo demarcado com
linhas de pura emoção. A mensagem que nos passam é de que devemos deixar os
neurônios em casa e colocar o fígado e a suprarrenal em campo para que a bílis
destile seu verde amargor sobre os adversários! Nada de argumentos. A eleição é
só emoção. Nós contra eles. A luta do bem contra o mal. As luzes contra as
trevas. O progresso contra o atraso. A ordem contra o caos. A modernidade
contra a velharia. E tantas outras formas de maniqueísmo que fariam o velho
Santo Agostinho ruborescer!
Como argumentar nestes tempos sem
argumentos? Confesso que às vezes tenho vontade de parar de escrever... Será
que alguém lê meus textos até o fim ou já, desde a primeira linha, serei
classificado como pertencente a esta ou àquela tendência e a leitura
interrompida antes de eu poder expor meu primeiro argumento?
Se você chegou até aqui, por favor, faça-me
saber! Será para mim um consolo e um estímulo. Será um bálsamos para minha
atribulada alma de escritor improvisado. Faça isso, por favor, mesmo que eu
tenha decidido que, nestes tempos em que muito se fala e pouco se escuta, é
preciso continuar a escrever para que o pensamento não se intimide e morra na
escuridão que querem nos impor. Parar de escrever é parar de pensar. E parar de
pensar, é morrer. Não quero nem me deixar abortar e nem permitir que me entorpeçam
com discursos de trevas e silêncio. A escrita é o trigo que mata a nossa fome
de saber. Escrever é preciso, viver não é preciso.
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