“Não tenhais medo!” São
essas as primeiras palavras que, segundo o Evangelho de Marcos, Jesus diz às
mulheres – Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé – que vão ao sepulcro para
ungir seu corpo. Jesus sabia que elas não tinham medo. Afinal, se tiveram a
coragem de levantar-se de madrugada para ir ao local onde o corpo do mestre
havia sido depositado e dar-lhe as honras fúnebres como mandava a tradição
judaica, era porque elas já haviam vencido o medo.
Mas, medo de que? Do
Ressuscitado? Do Anjo que se fez ver? Não... Nada disso! Fazer tal afirmação é
desconhecer o contexto em que se deu a morte de Jesus.
O medo ao qual Jesus se refere,
era o medo da cruz. Era o medo do suplício infligido pelas autoridades romanas
a todos aqueles que ousavam levantar-se contra o seu jugo dominador. Dentro do
“terror de Estado” imposto pelas tropas romanas sobre as populações subjugadas,
as crucificações, geralmente múltiplas – é sempre bom lembrar que Jesus não foi
crucificado sozinho – tinham como objetivo, além de eliminar um revoltoso,
evitar que outros seguissem no mesmo caminho. Para tal, utilizava-se o
instrumento de tortura inventado pelos persas, introduzido no Ocidente por
Alexandre Magno e otimizado pelos romanos: a crucificação.
O objetivo de tal método de
tortura e morte não era o de matar, mas prolongar pelo máximo de tempo o
sofrimento do prisioneiro. Tal macabro espetáculo – sempre levado a cabo de
forma espetacular - era um forte antídoto contra toda ânsia de contestação da
dominação romana.
Do ponto de vista romano, a morte
na cruz de Jesus foi um fracasso. Ele morreu rapidamente e seu corpo não ficou
exposto até ser consumido pelas aves do céu. Mesmo assim, haviam alcançado seu
objetivo: os discípulos, aterrorizados com o sucedido ao seu mestre, haviam
fugido e retornado aos seus lugares de origem. Os pescadores – seis dentre os
doze discípulos – haviam voltado ao lago para pescar. Mateus talvez tenha
retomado sua banca de impostos... Dos outros, não há notícias. Só as mulheres
ficaram ao pé da cruz. Só elas não se deixaram vencer pelo terror de estado do
Império Romano. Por isso vieram até o sepulcro trazendo os óleos aromáticos
para ungir o corpo de Jesus.
Dentro da tradição judaica, tal
gesto era um sinal de esperança. Ungir o corpo de um prisioneiro trucidado pelo
poder imperial, era afirmar que, acima do poder do tirano facínora, está o
poder de Deus que fará justiça para com o injustiçado. E império nenhum tolera
tal ato de sublevação simbólica. Nem os de ontem e nem os de hoje.
Jesus apresentara-se na sinagoga
de Nazara como aquele que veio libertar os aprisionados pelo poder opressor dos
latifundiários da Galileia, dos sacerdotes de Jerusalém e dos ocupantes
helenistas e romanos. As mulheres, indo ao túmulo para ungir Jesus, estavam afirmando
que, apesar do brutal assassinato cometido contra Jesus e suas esperanças,
continuavam a acreditar que a justiça para com os pobres da terra um dia será
realidade. Por isso, sua vitória sobre o medo tinha que ser reafirmada e
anunciada a todos os que estavam sobre a tentação de deixar-se vencer pela
desesperança.
Hoje e sempre, visitar e consolar
os injustamente aprisionados pelo poder opressor é um sinal revolucionário e de
esperança. Recolher e cuidar dos corpos e mentes trucidadas pela sanha exploradora
de um sistema econômico que vê as pessoas apenas como força mecânica e
intelectual para obter mais lucro, é confirmar nossa fé no Deus que não deixa o
seu justo na morte para sempre. Crer no ressuscitado, é afirmar a certeza da
vitória dos aprisionados e crucificados sobre os seus algozes.
E nesse contexto que, como nos lembra o Papa
Francisco, “o triunfo cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é, simultaneamente,
estandarte de vitória, que se empunha com ternura batalhadora contra as
investidas do mal.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário