Deus é amor. Uma simples frase de três palavras. Simples
assim. Tudo está dito. É o coração da teologia do evangelista João. Ele a
repete incessantemente: Deus é amor. E diz mais: quem ama mora em Deus. Linda e
aconchegante expressão: morar em Deus. Quem não o deseja? Todos sonham em um
dia entrar e permanecer na casa de Deus. Quem sabe, agora mesmo. Pois o tempo
que há de vir só tem sentido se já o saboreamos antecipadamente no agora. Ninguém
deseja aquilo do qual sequer sentiu um pré-gosto. Só desejamos plenamente o que
conhecemos antecipadamente. O aperitivo desperta a vontade de comer mais. Amar agora,
é a condição para poder viver o amor plenamente em Deus.
Mas o que é o amor? Para o cristão, o amor é Jesus
Cristo. É ele quem nos mostra antecipadamente o que viveremos plenamente em
Deus. “Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos”, disse Jesus. E pelos
inimigos também. Ele não morreu na cruz apenas por aqueles que com Ele fizeram
o caminho da Galileia até Jerusalém. Morreu por todos. Inclusive por aqueles
que o mataram na cruz. A todos perdoou. A todos amou.
Amor e perdão são duas coisas que caminham sempre
juntas. Como disse Jesus falando a respeito da mulher que lhe ungiu os pés com lágrimas,
“os muitos pecados dela lhe foram perdoados, pois ela amou muito”.
E quem experimentou a alegria do perdão, é capaz de amar mais e mais. Não há
amor sem perdão. E o perdão é a fonte de todo amor, porque Deus nos amou
primeiro.
Amar é perdoar. Amar é dar. E, mais do que dar, amar
é dar-se. É entregar-se totalmente ao outro. Quem quer o outro para si, não
ama. Querer o outro para si não é amar, mas é possuir, é tomar o outro para que
ele sirva aos meus interesses. Quando quero o outro para mim, não estou amando,
mas dominando. E, dominar, é fazer-se senhor do outro. É fazer do outro um
objeto de minhas posses. É coisificar o outro.
O amor só é possível quando há a capacidade de
esvaziar-se, de anular-se a si mesmo para que o outro tome conta de mim. Foi o
primeiro movimento de Deus para que o mundo passasse a existir. Deus, que é
tudo, encolheu-se para que o mundo e
a humanidade passassem a existir. Deus, ao criar do nada, pôs um limite ao seu
todo. Agora ele tem outro a quem amar e por quem se entregar.
E essa entrega ele a realizou enviando seu Filho ao
mundo na condição humana. Para tal, como diz Paulo na Carta aos Filipenses, Ele
esvaziou-se da condição divina e assumiu a condição humana. E não qualquer
condição humana. Deus assumiu a condição dos últimos dos humanos, a condição
dos escravizados. Na identificação com os escravizados de ontem e com os
escravizados de hoje, Deus mostrou o seu amor pela humanidade. Fazendo-se um de
nós, mostrou-se como Filho de Deus e mostrou o caminho para Deus. É na
identificação compassiva com os escravizados de hoje que encontramos o amor
real de Deus.
A entrega de Deus à humanidade foi tão amorosa, tão
livre, que o Filho não quis adonar-se da ação salvadora. Ele se retirou. Voltou
para junto de Deus. E nesse vazio criado pelo Filho, Deus enviou seu Espírito
para que a humanidade continuasse a caminhar com suas próprias pernas. O amor
não domina. O amor liberta e permite que a pessoa continue, livremente, a ser
ela mesma.
Quando alguém diz que ama, mas não permite que o
outro seja ele mesmo, não está amando. Está dominando. Está estabelecendo uma
relação de senhor e escravo, e não uma relação de amante e amado.
Na criação do Pai, na salvação do Filho e na
santificação do Espírito, experimentamos, de formas variadas, os múltiplos
apelos do abraço de Deus que nos ama. Um abraço que não prende. Pelo contrário,
é um abraço de entrega. Deus se coloca em nossos braços e nos faz seus no seu
amor acolhedor. Um abraço no qual Deus, longe de nos segurar presos a Si, nos
impulsiona, nos dá força, nos impele para que sigamos nosso caminho e sejamos
cada vez mais nós mesmos.
Um abraço que exige entrega. Que nos compromete a
abraçar também. Um abraços que nos faz abrir os braços e deixar que os abraços
dos escravizados de hoje nos tomem a nossa identidade e nos façam um com eles
assim como Deus se fez e se faz um com nós. Um abraço que nos pede a coragem de
retirar-nos do centro para que seja criado espaço para que o outro irrompa com
sua própria
identidade. Um abraço que nos transforme no que o outro é para que
ele recupere a sua dignidade. Um abraço que não prenda o outro a nós, mas lhe dá
força para que trilhe seus caminhos e sonhos.
Assim agindo, experimentaremos já no agora um pouco
do futuro e pleno amor de Deus. Amor que se dá de formas múltiplas, variadas,
nos muitos abraços de Deus e nos muitos abraços que damos e acolhemos no dia a
dia.
Abraçando e amando, poderemos compreender um pouco
do que significa afirmar que Deus é Trindade. Pois a Trindade de Deus não é um
mistério lógico e nem ontológico. É um mistério de amor. Um mistério que só
pode ser desvendado se nos permitirmos acolher os múltiplos abraços de Deus e
nos permitirmos abraçar e deixarmo-nos cingir pelos braços que em nossa direção
se estendem a cada dia.
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