Quem sou eu? A velha pergunta que está na origem da religião,
da filosofia, da psicologia, da antropologia, da história e, podemos dizer, de
todas as ciências humanas, continua sendo posta. Todo ser, desde o momento em
que se constitui como humano, se pergunta pela própria identidade. E, junto com
esta pergunta inicial, surgem as outras questões básicas às quais a humanidade
tenta responder desde os seus primórdios e que continuarão a ser o aguilhão do
pensar até o fim dos tempos: quem sou, de onde vim e para onde vou? Em outras
palavras, qual o sentido da minha existência?
Em meio às múltiplas e sempre inconclusas tentativas de resposta
à questão tão crucial, dois caminhos se delineiam. O primeiro, presente em
tradições egípcias e na filosofia grega, tornou-se famoso através da expressão
escrita na entrada do Templo de Delphos: “Conhece-te a ti mesmo”. No sentido
original e também no uso que, segundo Platão, Sócrates dela faz, a frase era um
chamado à humildade. Algo assim como “não te aches mais do que aquilo que tu
és”. Mas a frase tinha outro significado: não te preocupes com a opinião dos
outros. Olha para dentro de ti mesmo e, no teu eu, encontrarás a tua verdadeira
identidade.
É com este sentido que a afirmação foi retomada no início da
modernidade. René Descartes, o pai da Filosofia Moderna Ocidental, através do
aforismo “cogito, ergo sum” (penso, logo existo), estabeleceu que a única
certeza que temos é a que nasce do nosso próprio pensamento. E que todas as
outras coisas existem na medida em que podem ser pensadas pela minha
subjetividade. Inclusive Deus. Sua existência só é real porque passível de ser pensada
pelo humano.
A segunda tradição que tenta dar uma resposta à questão da
identidade dos humanos, nasce da tradição judaico-cristã. Na tradição bíblica
comum às duas tradições, o ser humano é aquilo que é na medida em que é dito
por Deus. No relato da criação, é a voz de Deus que cria o ser humano e lhe dá
nome constituindo-lhe uma identidade. E essa constituição da identidade
continua no relacionamento que os humanos estabelecem com as outras criaturas e
com as pessoas com quem são chamados a conviver. Diferentemente do pensamento
cartesiano, a verdade não nasce de dentro de si mesmo, mas emerge da palavra do
outro. É Deus, outro humano ou as outras criaturas que dizem a verdade sobre
mim.
Esse modo de pensar era tão comum na cultura judaica que,
segundo o Evangelho de Lucas, Jesus não tem nenhum receio em perguntar aos
discípulos: “Quem diz o povo que eu sou?” Diante das evasivas respostas
relatadas pelos discípulos – “Uns
dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum
dos antigos profetas que ressuscitou” – Jesus quer saber quem ele é para os
discípulos e pergunta: “E vocês, quem dizem que eu sou?” A resposta dada pelos
discípulos é por nós conhecida: “Tu és o Ungido de Deus”.
A
partir da resposta, Jesus tem sua identidade estabelecida. Mas a história não
termina aí. Jesus explicita aos discípulos o que significa ser “ungido de Deus”
em meio a um mundo de dor e opressão: “O Filho do Homem deve
sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da
Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia.” E se essa é a identidade do
Mestre, os discípulos têm, a partir dela, a sua identidade também definida. “Se
alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me.
Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por
causa de mim, esse a salvará.”
Voltando à nossa questão da identidade, percebemos que, ao
dizer a identidade dos outros, também estamos dizendo e construindo a nossa. Ou
seja, nossa identidade é sempre relacional. Em outra palavra, eu sou eu e
minhas relações. Se quero saber quem sou, preciso olhar para quem são as
pessoas com as quais me relaciono e a qualidade das relações que com elas
estabeleço.
Quando levada a sério, esta constatação nos recoloca, como
no sentido original da expressão grega “conhece-te a ti mesmo”, numa postura de
humildade. Nós não somos nada sem os outros! E, desde a experiência religiosa
cristã, nós não somos nada sem o grande outro que é Deus. Por isso Paulo diante
do orgulho dos judeus e gregos que, cada um a seu modo, se achavam o máximo de
cultura e civilização, ele diz: para os que são batizados, “o que vale não é
mais ser judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois
todos vós sois um só, em Jesus Cristo.” Diante de Deus, todos, na diversidade
cultural, social ou de gênero, têm a mesma dignidade, pois todos encontramos a
nossa identidade em Deus que nos criou e nos aceita tal qual somos.
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