Não vou falar aqui das fake news que
invadem as redes sociais e da infodemia
que se gerou em torno ao coronavírus. Simplesmente lamento que, em pleno século
XXI, quando os cientistas conseguem desvendar, em 24 horas, o genoma de um
vírus e, outros cientistas, em longos anos de pesquisa, ajudam-nos a compreender
os mistérios do universo, ainda somos obrigados a ouvir pessoas afirmando que
uma doença é castigo de Deus ou que a Terra é plana e que os astronautas nunca
pisaram na Lua. Não é fácil... Mas, no fundo, este é um problema derivado.
De
fato e o que realmente deve nos preocupar, é a raiz desta insanidade que hoje
parece tomar conta de nossa sociedade e leva a atitudes de intolerância,
violência e desejo de extermínio do outro. A raiz de tudo isso, é a dificuldade
de encarar a verdade sobre nós mesmos.
A
aceleração do tempo gerada pelas condições extremas de trabalho – penso num
motorista de aplicativo que tem que trabalhar 12 ou 16 horas por dia – e o
impacto alucinante das mídias sociais sobre o nosso cérebro, faz com que
estejamos sempre voltados para fora e incapazes de olhar para o interior de nós
mesmos e fazermos aquelas perguntas básicas que estão na origem de toda
filosofia e de toda religião: quem sou, de onde vim e para onde vou? Em outras
palavras: qual o sentido da minha vida? Como estou vivendo o tempo que me cabe habitar
neste mundo?
Quando
não paramos para pensar no fundamental, é fácil ser tentado a colocar nos
outros a culpa por tudo aquilo que de mal acontece. Se não sei porque estou a
viver, a solução fácil que desobriga a pensar, é culpar o irmão, o pai, a mãe,
o filho, o vizinho, o colega de trabalho ou de faculdade, o professor, o
patrão, a empregada, o estrangeiro, os chineses, o prefeito, o presidente, a
oposição. E, da culpabilização à agressão e extermínio, é só um passo, fácil de
ser franqueado, quando se tem as armas do poder.
O
diálogo de Jesus com a samaritana junto ao Poço de Jacó é uma amostra de como é
difícil, mas necessário, olhar para dentro de nós mesmos, para o fundo do poço
da nossa existência, para reconhecermos quem somos, quem são os outros e quem é
Deus.
No
diálogo, Jesus não ensina nenhuma novidade à mulher. Apenas a ajuda a perceber
quem ela é em seu presente e em seu passado. E não só a história pessoal, mas a
história de seu povo – os samaritanos – e do povo de Israel a quem havia sido
ensinada a odiar.
A
verdade estava ali, na sua frente, no fundo do poço cavado pelo patriarca Jacó.
Estava dentro dela mesma e na sua vida sofrida que a obrigara a ter cinco
maridos. Estava na cidade que a segregava e não lhe permitia ir junto com as
outras mulheres buscar água no poço. Estava em Jesus que com ela dialogava,
despido de todo e qualquer preconceito.
No
momento em que pôde olhar para a verdade e compreendê-la, a mulher deixou de
odiar-se a si mesma, deixou de odiar a cidade que a discriminava e violentava,
deixou de odiar a Jesus, o judeu que estava à sua frente. E passou a anunciar a
verdade que encontrara no fundo do poço de si mesma e de seu povo.
Que
o caminho da Quaresma, com seu jejum e sua penitência, nos impeça de jogar a
verdade no fundo do poço do ensimesmamento e nos dê forças para descobri-la e
proclamá-la a todos e todas.
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