terça-feira, 2 de maio de 2017

Barbárie Civilizada

Em que anos estamos? Em 2017 ou em 1500? Em pleno 30 de abril, véspera do Dia do Trabalhador e da Trabalhadora, um grupo de pistoleiros arregimentados pelos fazendeiros da região, depois de uma churrascada regada a muita bebida, armados com pistolas, facões, facas, paus, invadem a aldeia indígena Povoado das Bahias, no município de Viana, no Maranhão, e semeiam o terror esfaqueando homens e mulheres de todas as idades, aí incluídos velhos e crianças. Para deixar sua marca indelével, decepam as mãos de dois membros da comunidade Gamela.
A polícia da região, sabedora do planejado, nada fez para evitá-lo. O Ministro da Justiça, informado do ocorrido, desqualificou a gravidade do ato através do argumento de que os atacados seriam “supostos indígenas” e não verdadeiros indígenas. Pergunto: se não fossem verdadeiros indígenas, a violência seria justificável?
Esse não é o primeiro ataque que o povo Gamela sofre. Já havia sido vítima da violência dos fazendeiros em 2015 e 2016. Apesar de ser território tradicional indígena e de terem sido cumpridas todas as exigências, o território ainda não foi demarcado...
Também não foi o ataque contra os Gamelas a única barbárie no campo a estarrecer o Brasil nos últimos dias. Em 19 de abril passado (Dia do Índio), um grupo de encapuzados invadiu o assentamento de Taquaruçu do Norte, no Município de Colniza, no Mato Grosso e, após torturar barbaramente, assassinou nove pessoas. Para deixar marca, os assassinos decapitaram os corpos.
Nas cidades, a barbárie não é menor. Alguém ainda lembra e fala dos 67 presos assassinados nos presídios de Manaus? Alguém ainda lembra ou fala dos 33 presos assassinados na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista? Alguém ainda lembra ou fala dos 26 presos assassinados no presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte? Sem falar das “micro” matanças que acontecem a cada dia nos presídios espalhados pelo país. Em média, uma a cada dia.
E as inúmeras cenas de policiais executando supostos traficantes que, depois, constata-se, nada tinham a ver com tráfico ou crime? As vítimas, em sua maioria, são jovens e negros que apenas estavam no lugar errado e na hora errada e foram vítimas da sanha de punir, não importa, se a pessoa errada.
De quem é a culpa? Os índios Gamela do Maranhão e os camponeses de Colniza não são tech, nem pop, nem tudo. Pelo contrário: para quem se importa apenas com resultados econômicos, eles são atrasados e nada midiáticos. Eles são nada! Sua morte talvez nunca encontre justiça. Muito menos encontrará justiça a morte de centenas de homens detidos em presídios que não fazem jus sequer aos calabouços medievais e se aproximam, muitas vezes, aos campos de extermínio dos regimes totalitários.
Talvez os que alugaram suas mãos para executar estes crimes inomináveis sejam tão merecedores de compaixão quanto suas vítimas. Foram munidos e nutridos pelo ódio daqueles que mantém suas próprias vidas na miséria e do alto de suas tribunas clamam que “tem de ter fumo, tem de ter soja, tem de ter boi, tem de ter leite, tem de ter tudo, produção”, mas, se tiver algum indígena ou camponês por perto, é preciso expulsá-los “do jeito que for necessário”. E tão sujas quanto as vozes que clamam que “índios, gays, lésbicas e quilombolas são tudo que não presta”, são as mãos daqueles e daquelas que, no dia das eleições, movem seus dedos para digitar seus nomes e assim recolocá-los no poder, uma, duas três, muitas vezes.
A barbárie, muitas vezes, também se constrói por caminhos aparentemente democráticos e civilizados. Quando os mortos estão distantes, é claro. E o cheiro da pólvora e do sangue não fere nossos delicados sentidos.

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