quarta-feira, 24 de maio de 2017

Harakiri



 Em japonês, seu nome é Seppuku. No Ocidente, tornou-se conhecido como haraquiri. Em qualquer uma das versões, literalmente, significa “cortar o ventre”. As primeiras informações de sua existência remontam ao século XII. No século XIX, foi proibido. Reservado aos samurais, o ritual surgiu primeiramente como prova de lealdade, mesmo na morte, do samurai ao seu senhor. Com o tempo, passou a ser executado como forma de resgatar a nobreza de um samurai que traíra ao seu senhor ou infringira o código de honra dos guerreiros.
O harikiri era uma cerimônia pública. Após ter obtido autorização de seu senhor, o samurai, devidamente trajado, ajoelhava e, tomando sua espada ou punhal, realiza primeiro o kiru, um corte horizonte, abaixo do umbigo (em japonês, hara), da esquerda para a direita. Em seguida, se lhe restavam foças, fazia outro corte no sentido vertical, de baixo para cima. As vísceras deviam ser versadas para fora para provar a honradez. Feito isso, entrava em ação o kaishakinin que, num golpe de misericórdia, realizava a decapitação final.
Mesmo identificada com a cultura oriental, a prática de tirar a própria vida como um modo de ter morte digna, foi comum também na Roma antiga. Chefes militares e soldados, na iminência de serem aprisionados pelos inimigos, optavam por cravar a espada em si mesmos. Como nos atesta a Bíblia no livro dos Atos dos Apóstolos, qualquer funcionário público que falhasse no cumprimento do seu dever, salvava sua honra tirando a própria vida (At 16, 25-28). Mas o ato era mais habitual entre os funcionários mais graduados. Foi o caso do general Quintílio Varo ao ser derrotado pelos germanos. Sentindo-se culpado por não ter sabido conduzir seus soldados, cravou a espada no peito. O mesmo foi feito por Marco Antônio, aquele que se tornou famoso por ser amante de Cleópatra. Nero, sem coragem para tal ato, pediu a um soldado que lhe cravasse a espada no coração.
Mas o método mais utilizado em Roma para morrer com dignidade era o corte nos pulsos. A história nos atesta que foi grande o número de políticos romanos que, metidos em intrigas e falcatruas, recorriam a esta prática. No fim do período de Tibério, parte significativa do Senado romano fez correr o sangue das próprias veias. Estavam todos com a honra comprometida e, para fugir à prisão e castigo, preferiram sair desta vida por própria iniciativa e assim resgatar a dignidade, mesmo que fosse depois da morte. Segundo o historiador Tácito, “por medo do carrasco preferiam morrer assim, e também porque, aos condenados, recusava-se sepultura e os bens eram confiscados, enquanto que aos que tiravam a própria vida respeitava-se o testamento e dava-se sepultura ao corpo, como recompensa”. Entre os que optaram por essa saída encontram-se os famosos Sêneca, professor de Nero, e o escritor Petrônio.
Tripas saltando para fora do ventre, espada cravada no coração, sangue jorrando dos pulsos... Cenas que, certamente, não são mais necessárias e nem desejáveis na nossa sociedade moderna e civilizada que rejeita a violência. No lugar delas, sugerimos o simples, singelo e incruento sincericídio. Se alguma noção de honra resta aos homens públicos neste momento de crise nacional, poder-se-ia apenas exigir-lhes que admitam seus crimes, deixem a vida pública, devolvam o dinheiro roubado e, num gesto de grandeza, nunca mais a ela voltem. E isso, de livre e espontânea vontade para que as mãos das vítimas não se sintam tentadas a sujar-se para fazer justiça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário