Quando falamos dos sentidos, é temerário dizer que este ou
aquele tem maior ou menor capacidade de despertar sentimentos. Todos eles tocam
o mais íntimo de nosso ser e por isso são capazes de fazer soar as cordas mais
íntimas da nossa existência.
Mas talvez nenhum deles tenha sido usado de forma tão
massiva para produzir e estimular sentimentos como a audição. E o grande canal
para isso, é a música. Cada ritmo parece tocar uma tecla de nosso ser. Uma
música relaxante nos ajuda a entrar em nós mesmos, a nos situarmos frente ao
universo, a colocar em harmonia nossos interior e buscar a sintonia com o
exterior. Um samba convida para a festa, a convivência, a camaradagem. Uma
milonga é o ritmo perfeito para expressar a dor que vai no coração, as
tristezas da vida, os sofrimentos do peão e do trabalhador que tem a sua vida
marcada pela penúria e pelo labor. O tango faz descer as lágrimas da perda do
amado ou da amada, a tristeza de sentir-se abandonado por quem se ama e a
solidão incompreendida. A marcha convida para a luta, para a guerra, para a
conquista dos direitos. Quem não se sente entusiasmado ao ouvir soar as notas
da Marseillese e seu Allons enfants de la patrie, le jour de
gloire ést arrivé... Ou então, a Internacional socialista e “De pé, ó
vitimas da fome! De pé, famélicos da terra! Da ideia a chama já consome, A
crosta bruta que a soterra.” E um funk, que sentimentos desperta em nós? Talvez
nós, que já passamos dos 50, não estejamos acostumados com esse ritmo as letras
agressivas que o acompanham. Mas hoje ele é o mais popular nas periferias das
grandes e também das pequenas cidades. E especialmente entre os jovens. Talvez
seja a única forma que eles encontram para fazer-se ouvir por uma sociedade
surda aos seus clamores.
Uma peculiaridade da audição, é o fato de ser um sentido
principalmente passivo. Nós dificilmente podemos barrar os sons que chegam até
nós. Eles entram nos nossos ouvidos, nos invadem, tomam conta de nós. Quem já
não foi acordado pelo som ensurdecedor de um avião a jato passando rasante, ou
uma explosão, um tiro... ou pelo grito de um vizinho, de uma criança agredida,
de uma mãe que teve seu filho assassinado? Ou pelo grito de gol, de vitória, de
alegria! Podemos nos isolar, colocar barreiras, tapar os ouvidos, mas, quando
menos esperamos, o som aí está impondo-nos sua verdade.
Mas o ouvido também pode ser educado. E ele é educado, mesmo
que nós não nos demos conta. Ele é conformado pela cultura em que vivemos. Nós
ocidentais, estamos acostumados a ouvir 12 notas musicais. Nossa escala sonora
é duodecimal. Já os gregos, os chineses e os escoceses, eles só ouviam cinco
notas. A música árabe tem uma escala de 16 notas. Os indianos, por sua vez, tem
um ouvido muito mais apurado e são capazes de distinguir 22 notas musicais. Por
isso nós, ocidentais, educados para escutar apenas 12 notas, temos dificuldade
em compreender a complexidade da música árabe e da música indiana. Nos escapam
praticamente metade dos sons emitidos pelos seus instrumentos e pelas suas
vozes.
Mas existe também o som do silêncio. É algo que está se
tornando cada vez mais difícil de ser encontrado na nossa civilização cheia de
apelos sonoros. Numa cidade grande, é muito difícil poder estar em silêncio.
Seja de dia, seja de noite, em nossas casas ou em qualquer outro lugar onde nos
encontremos. É preciso sair para longe, fora das cidades, longe da civilização,
para poder escutar o silêncio. E como ele fala... Nossos povos nativos são
especialistas em cultivar o ouvido para o silêncio. Por isso são capazes de
ouvir os sons das flores, das plantas, das árvores, dos animais, dos rios, das
pedras... E como eles e elas falam. Com suas vozes próprias, com suas músicas
específicas.
No silêncio, tudo fala! Até mesmo aquilo e aqueles e aquelas
que nós não gostaríamos de ouvir. É preciso reaprender a escutar o silêncio.
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