sábado, 9 de setembro de 2017

Os odores da vida

Depois do tato, o olfato talvez seja o segundo mais primitivo e fundamental sentido humano. Aproximadamente aos sete dias de vida extra uterina, a criança é capaz de reconhecer os cheiros. E o primeiro cheiro que o bebê reconhece, é o da própria mãe. E, reciprocamente, a mãe é capaz de reconhecer o cheiro típico de seu bebê. E daí, nascem todos os cheiros...
Quem de nós não guarda na memória o cheiro da casa onde nasceu? Ou o cheiro da grama, das flores, das plantas que rodeavam a casa onde fomos criados? Quem de nós já não foi surpreendido por um odor que lhe é familiar e, buscando nos socavões da memória mais primeva, lembrou de um acontecimento, de um lugar, de uma pessoa, de um objeto da primeira infância?
O cheiro da comida da mãe... Inconfundível. E mais: irresistível. O cheiro de pão assando no forno de barro. O aroma dos temperos tão familiares, tão distantes, tão presentes. Tanto quanto pelo sabor, somos atraídos pelo odor da comida. E o cheiro da pessoa amada. Aquele lenço, aquela toalha, a peça de roupa que o enamorado guarda da pessoa que não está presente agora ou se foi para sempre.
Não só as pessoas têm cheiros característicos e inconfundíveis. Os cheiros também são coletivos. Quem já viveu em cidades multiculturais, aprende a identificar claramente os cheiros de cada povo, de cada cultura. Cheiro de indiano, cheiro de africano, de coreano, de chinês, de francês, de alemão... Muitas vezes este cheiro é qualificado como desagradável porque estranho. O cheiro do outro, do diferente, é identificado pelo nosso inconsciente como “cheiro inimigo”. Assim como os animais demarcam seus territórios com o cheiro de glândulas e de urina, nós, animais humanos, também demarcamos nossos territórios culturais através da identificação dos cheiros. É o velho e profundo sentido do olfato ajudando-nos a nos situarmos no mundo e em nossas relações.
E a capacidade do olfato é muito maior do que imaginamos. O cérebro humano tem a capacidade de reconhecer em torno de dez mil diferentes odores e atribuir a cada um deles, conforme a história pessoal e cultural, uma apreciação valorativa: agradável, desagradável, perigoso, atraente, gostoso... O mundo se desenha no olfato.
Nossa sociedade moderna tem medo dos cheiros. Fazemos tudo para que nossos narizes não sejam atingidos por cheiros dos quais não gostamos. Quanto mais inodoro um ambiente, melhor é considerado. Desodorizantes e perfumes ambientais tentam disfarçar ou anular os cheiros dos ambientes por onde circulamos. Até dos odores de nossos corpos temos medo. O mercado dos desodorantes é um dos que se mantém aquecidos mesmo em tempo de crise. Fazemos verdadeiras ginásticas, às vezes até prejudiciais à saúde, para disfarçar os odores que nosso corpo, naturalmente, emite.
Muitas vezes, mais do que desodorizontes e perfumes, o melhor mesmo seria abrir as janelas para que o ar fresco e perfumado da natureza penetre as casas. Mas teimamos em domesticar os odores. E isso nos limita, nos faz sofrer, nos torna assépticos e insensíveis. A cada manhã, abrir a janela, alargar as narinas, sorver o ar novo... E reaprender a ser humanos, com nossos odores, com nossos amores.

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