Um dado quase que
praticamente desconhecido, inclusive entre os católicos, é que um em cada cinco
sacerdotes da Igreja Católica Romana é casado! É isso mesmo. No mundo inteiro,
hoje, há aproximadamente 500.000 homens ordenados ao ministério presbiteral na
Igreja Católica Romana. Destes, aproximadamente 100.000 são casados. Em outros
termos, 20%! Uma alta proporção que se mantém mais ou menos constante nas
diversas áreas geográficas em que a Igreja Católica Romana está presente.
O único detalhe é que, na
quase totalidade dos casos, esses padres estão “dispensados” da obrigação de
prestar serviço às comunidades para as quais foram ordenados. Confuso? Não, se
considerarmos a teologia da Igreja Católica Romana em relação ao ministério
ordenado. Na compreensão católico-romana, a ordenação é um sacramento que
confere um caráter indelével ao que o recebe. Em outras palavras, mesmo que
alguém deixe de exercer o serviço à comunidade, ele não deixa de ser padre.
Desse modo, não existem “ex-padres”. Existem apenas padres que não mais
realizam aquelas atividades inerentes ao ministério ordenado como, por exemplo,
administrar os sacramentos de forma ordinária.
Mas, perguntar-se-á
alguém, por que tantos padres que um dia juraram ajoelhados em frente do bispo
dedicar toda a sua vida à Igreja, deixam esse ministério e, na maioria dos
casos, fazem-no para viver um relacionamento amoroso que se encaminha, muitas
vezes, para o casamento?
Ensaio uma resposta que
pode parecer simplória. Isso acontece porque ninguém é obrigado a ser padre! Na
Igreja Católica, o ministério sacerdotal é assumido de livre e espontânea
vontade pela pessoa. Geralmente os que o assumem são jovens que, no idealismo
típico da idade, sentindo-se chamados por Deus, decidem dedicar-se
integralmente ao serviço da Igreja. Para tornar isso possível, obedecendo a uma
orientação do Segundo Concílio de Latrão (1139) e referendada pelo Concílio de
Trento (1545-1563), o candidato renuncia a um relacionamento afetivo e esponsal
com uma mulher e à constituição de uma família.
Com o passar dos anos,
estes jovens que a cada ano vão tornando-se cada vez menos jovens e menos
idealistas, começam a vergar sob o peso e as exigências do ministério ordenado.
Exigências não só de ordem laboral, mas especialmente de ordem afetiva. A
solidão não é fácil! Estar todos os dias atendendo, da manhã à noite, uma
infinidade de pessoas que procuram o padre geralmente em situações de conflito
e stress emocional e exigem uma atenção que o padre nem sempre tem condições de
dar. Problemas econômicos de paróquias que não conseguem sustentar um padre.
Conflitos com o bispo que nem sempre entende a situação do padre e exige dele
mais do que pode dar. Falta de entendimento com os colegas padres que vivem a
mesma situação, mas fazem de conta que o problema do colega não é o mesmo que
ele está vivendo... E outros tantos problemas que levam o padre a perguntar-se
se aquela opção juvenil era mesmo o melhor caminho para a sua vida.
Os números que acima
referimos mostram que uma quantidade significativa decide, em situações como
esta, dar novos rumos à sua vida. Renunciam ao exercício do ministério
presbiteral e retomam sua vida buscando uma nova atividade profissional e
construindo um relacionamento que já vinha se gestando durante o exercício do
ministério ou que nasce das novas circunstâncias.
Quem tem ocasião de
conviver com padres que deixaram o ministério – eu o faço quotidianamente e certamente
muitos dos que estão a ler este texto agora o fazem – conhecem casos de padres
casados que gostariam imensamente de continuar a entregar parte de sua vida no
serviço da comunidade cristã. Em outras palavras, sentem-se chamados por Deus
ao ministério ordenado, mas não conseguem vivê-lo conforme a lei da Igreja que
condiciona o exercício do ministério presbiteral ao celibato.
E essa realidade é
ainda mais dolorosa quando sabemos que tantas comunidades católicas, por falta
de ministros ordenados, vivem sem ter acesso ao sacramentos a que tem direito,
especialmente à Eucaristia dominical. No Brasil, estima-se que 70% das
comunidades católicas não tem a missa dominical como deveriam tê-la.
Que fazer nesses casos?
A norma geral até hoje, por parte das autoridades eclesiásticas, é manter-se
insensível a essa situação. Tanto a dos padres que, tendo casado, gostariam de
continuar a servir à comunidade como a situação das comunidades que gostariam
de ter um padre para celebrar os sacramentos e de bom grado aceitariam um padre
casado.
Minha humilde sugestão
é simples. Para estas situações especiais, a Igreja deveria abrir exceções.
Para tal, bastaria seguir a prática instaurada pelo Papa São João Paulo II. Em
2009, para acolher um grupo de padres católicos anglicanos que desejava
integrar-se à Igreja Católica Romana, São João Paulo II permitiu que eles
passassem a exercer seu ministério presbiteral na Igreja Católica e
continuassem convivendo com suas esposas e seus filhos. Um não cumprimento da
lei que se justificava pela circunstância especial que se colocava.
Por que, então, não
usar o mesmo princípio para a realidade de comunidades que não tem – e
provavelmente nunca terão – ministros ordenados e desejam ter alguém para
administrar os sacramentos, mesmo que esse alguém seja um padre que viva com
sua esposa e filhos? E ainda com a vantagem de que esse padre não vem de outra
Igreja, mas foi criado, educado e ordenado na própria Igreja Católica?
Nesse caso, creio eu na
minha humilde opinião, deveria valer o princípio ensinado por um antigo Mestre
que um dia começou um movimento do qual mais tarde viria a nascer o
cristianismo e a Igreja Católica, de que “a lei foi feita para o homem e não o
homem para a lei”.
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