As celebrações pascais são o centro da vida litúrgica
cristã. Nelas, celebramos a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.
Através deste Mistério, presentificamos a salvação com a qual Deus agraciou
toda a humanidade de uma vez por todas. Tal certeza nos permite viver a leveza
e a responsabilidade daqueles e daquelas que se sabem livres em Jesus Cristo,
pois, como diz o apóstolo, foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Para a
nossa liberdade e para libertar os que vivem o peso da escravidão, seja ela
qual for.
No último domingo celebramos a Festa da Ascensão. No
próximo, será a de Pentecostes. Cada uma tem sua importância, é verdade, mas
elas são intrinsecamente ligadas uma à outra e me suscitam uma breve meditação
que quero partilhar com vocês, pois me parece muito consoladora.
Comecemos pela Festa da Ascensão. Em uma aproximação não
atenta, ela pode parecer estranha dentro da lógica litúrgica. Afinal, no início
de toda Celebração Eucarística, se estabelece o diálogo entre o Presidente e a
Assembleia. O Presidente diz à Assembleia: “O Senhor esteja convosco!” A
Assembleia responde: “Ele está no meio de nós”. Como dizemos que “Ele está no
meio de nós” e, ao mesmo tempo, festejamos que Ele subiu aos céus? A resposta
não é tão complicada se nos reportamos ao imaginário da época em que os
Evangelhos foram escritos. Naquele tempo, afirmar que Jesus “foi levado para o
céu” e acrescentar, como o faz o Evangelho, que “Ele agora está sentado à
direita de Deus Pai”, significava afirmar a vitória de Deus sobre a morte e o
reconhecimento da condição divina daquele que fora crucificado pelos romanos.
Tanto no imaginário judaico como no helenístico, o céu é o lugar dos deuses e
quem para lá é levado tem em si a condição divina. Ou seja, é uma outra
linguagem para afirmar a ressurreição de Jesus e, nele, a vitória definitiva da
vida sobre a morte.
Mas deixando de lado esta abordagem estritamente teológica,
quero ater-me a outra mais vivencial e que nasce da minha imaginação. Tomando
em sentido literal a figura da subida aos céus de Jesus, podemos interpretá-la
como um afastamento daquele que, durante os três anos de caminhada com os
discípulos e discípulas, fora o protagonista do grupo de homens e mulheres da
Galileia que, na ânsia da chegada do Reino de Deus, tomaram o caminho de
Jerusalém. Em todos os momentos do percurso, Jesus caminhara à cabeça do grupo,
ensinando e mostrando como era o Reino que Ele estava inaugurando. Os discípulos
seguiam Jesus e espelhavam-se nEle para aprender o novo jeito de viver e como
anunciá-lo a todas as gentes.
Agora, nas Ascenção, Jesus sai de cena. Ele se afasta porque
quer que os discípulos assumam o protagonismo da missão. É como o pai ou a mãe
que, durante os primeiros meses, vão tomando o filho pelas mãos e ajudando-o a
que se ponha de pé, ensaie os primeiros passos. O objetivo é que o filho aprenda
a caminhar sozinho e não mais precise de ajuda de seus genitores. Durante o
aprendizado, auando o filho cai, o pai ou a mãe o tomam pela mão, levantam-no
outra vez, estimulam-no, vão na frente e pouco a pouco soltam a mão até que o
filho caminhe sozinho.
Agora Jesus se foi. Ele não está mais aí para guiar os
discípulos e discípulas. Mas como o pai e a mãe que, mesmo quando o filho
começa a caminhar sozinho, sempre estão presentes para apoiá-lo e orientá-lo a
fim de que faça o seu caminho, Jesus não deixa os seus discípulos abandonados a
sua própria sorte. No mesmo momento em que se afasta deles, Ele lhes promete o
envio de Seu Espírito a fim de que ele caminhem sozinhos, sim, mas permaneçam
sob Sua orientação e direção.
Na Ascenção Deus nos diz: vocês são adultos na fé.
Receberam, pelo batismo, a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e agora cabe-lhes
fazer o caminho com suas próprias pernas. Mas Deus não nos deixa sozinhos. Pelo
contrário, estamos bem acompanhados pela força do Espírito que nunca nos
abandona e sempre nos incentiva a pró-seguir o caminho iniciado por Jesus. Se o
Filho conduziu os discípulos da Galileia até Jerusalém, o Espírito conduzirá os
agora apóstolos de Jerusalém até os confins de toda a terra.
E, se da beira do mar de Tiberíades até Jerusalém os
discípulos aprenderam a fazer o que Jesus fazia, agora, de Jerusalém em diante,
eles terão que inovar e fazer coisas novas que o Espírito lhes suscitará. A
tradição do Filho lembra o passado. A novidade do Espírito inspira o futuro.
Sabemos de onde viemos, mas para onde vamos, só o Espírito sabe. O consolo é
que, mesmo estando sozinhos, não estamos abandonados!
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