Que é o tempo? Uma velha pergunta
que a humanidade sempre se colocou e que hoje parece em desuso. Vivemos a
civilização do instantâneo, do agora, do imediato, onde o que importa é o presente.
Mas, concomitantemente, nos queixamos de que tudo passa muito rápido, que não
temos tempo para tudo o que gostaríamos de fazer, que a realidade é fugaz, que tudo
flui tão rapidamente e temos a impressão de que não somos nós mesmos o que
fomos ontem e o que seremos amanhã ainda não o sabemos. Vivemos o paradoxo da
atemporalidade e de um tempo que nos devora. Cabe, pois, voltar a pensar o que
significa o tempo.
Ninguém melhor que Santo Agostinho
para nos ajudar a pensar esta realidade humana. Na obra “Confissões”, Livro XI,
ele se pergunta: “O que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se o quiser
explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.” Se ficarmos só nesta frase, parece que o santo
africano desistiu de compreender a condição temporal de nossa existência. Mas, em
seguida, no mesmo livro, ele nos convida a pensar o tempo não na sequência
linear passado-presente-futuro, mas na mistura dos tempos que constitui o âmago
da nossa existência: “É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito,
presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras.”
“Presente das coisas passadas” é aquilo que
vivemos e constitui a identidade que carregamos conosco como lastro ou como
suporte. “Presente das presentes” é o agora que nos cabe viver e do qual não
podemos fugir. Mas o que é “presente das coisas futuras”? Como algo que ainda
não aconteceu pode incidir no que somos agora e, por paradoxal que possa
parecer, mudar o passado que já se foi?
Se pensarmos bem, isso é mais comum do que
reconhecemos. Na linguagem cotidiano, a isso nós chamamos “fé”. Não a fé
enquanto conceito intelectual de acreditar no que não pode ser visto ou não
pode ser compreendido. Mas a fé enquanto atitude existencial de viver no
presente aquilo que sonhamos ser o futuro do ser humano e do mundo.
Quem tem fé em Deus, vive no presente como
se já estivesse na presença do Deus que espera ver plenamente na eternidade
futura. Se acredita num Deus que é amor, vai viver no presente relações
amorosas com as pessoas com as quais convive. Se acredita num Deus de justiça,
vai praticar a justiça para com os injustiçados. Se acredita num Deus da vida,
vai cuidar das vidas feridas pelas forças da morte. Se acredita num Deus da
verdade, vai opor-se a todas as calúnias, mentiras e trapaças semeadas pelos
inimigos de Deus.
Essa fé de Abraão, de Isaac, de Jacó e de
tantas personagens da tradição bíblica judaica que viveram coerentemente com
aquilo que acreditavam ser o desejo de Deus para suas vidas. Essa também é a fé
de Jesus que viveu no seu quotidiano aquilo que acreditava ser o projeto do
Pai. Com efeito, ter fé significa, acima de tudo, viver no presente aquilo que
acreditamos ser o mundo futuro.
Aquele que pratica no presente o contrário
daquilo que afirma ser o ideal para o futuro, ou não tem fé, ou é mentiroso. Para
enganar os outros, pode apresentar sonhos de futuro mirabolantes que não se
concretizam em suas ações no presente. Com isso até é possível que engane
alguns incautos. Mas, não passará muito tempo e a sua máscara cairá e todos
perceberão que o seu futuro, na verdade, é o retorno do passado de morte e o
sonho da sua continuidade num presente sem fim. Mas ninguém vive sem sonhos,
sem futuro, sem fé. E os que se deixaram enganar, em pouco tempo, retomarão
seus sonhos e sua fé e destruirão o devorador do tempo para que o presente
volte a ser futuro e todos possamos voltar a sonhar.
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