Comer é uma
necessidade biológica. É o meio pelo qual suprimos os nutrientes necessários ao
funcionamento do corpo. Se não comemos, enfraquecemos e, no limite, morremos
por desnutrição.
O ser humano, no
entanto, na medida em que passou da sua condição animal à condição social,
transformou aquilo que era uma necessidade física em uma expressão cultural. Em
outras palavras, para os seres humanos, o comer tem um sentido, uma
significação que ultrapassa o simples ato de ingerir alimentos.
Analisando o modo
como se dá a alimentação nas diversas sociedades, os antropólogos afirmam que em
todas elas, desde as mais simples até as mais complexas, o ato de comer é um
dos mecanismos fundamentais através dos quais se iniciam e se mantém as relações
humanas. E que, quando descobrimos onde, quando e com quem se dá a alimentação,
chegamos muito perto de conhecer quase tudo sobre as relações sociais deste
grupo humano.
E mais: o modo como
se compartilha a comida dentro de um determinado grupo social, desde a família
até a escala global, permite delinear o caráter de uma sociedade. Com efeito, compartilhar
a comida é uma transação que envolve uma série de obrigações mútuas e dá origem
a um complexo interconectado de mutualidade e reciprocidade, tanto no âmbito
das relações domésticas quanto no das relações sociais. Não são todas as
pessoas que convidamos para almoçar ou jantar em nossa casa. E também somos
seletivos quando alguém nos convida para uma refeição em sua casa. Receber alguém
para comer ou ir comer na casa de alguém, simboliza fazer parte do mesmo grupo
social.
Em todas as cidades,
pequenas ou grandes, os restaurantes e as festas onde há comida são
distinguidas pelo tipo de pessoas que as frequentam. Cada restaurante e a
comida nele oferecida é tipificado segundo a classe social de seus fregueses. E
quem vai um tipo de restaurante, dificilmente acessa um lugar “de outro nível”.
Se o faz, ou se sente mal ou é mal visto.
Mas não é preciso
ser antropólogo para perceber estas realidades ligadas à comida. O “filósofo”
Zeca Pagodinho já dizia: o mundo se divide entre aqueles que comem caviar e
aqueles que comem arroz, feijão, ovo frito e torresmo. A divisão entre os que
comem caviar e o que dele só ouvem falar, é o retrato de um país onde “na mesa
de poucos fartura adoidado, mas se olha pro lado, depara com a fome”.
Esse é o país onde
os cereais não são mais vistos como “comida” mas como “commodities” e não se
pergunta mais quem produz e quem vai comer o trigo, o arroz, o leito, o soja, a
carne, mas se pergunta apenas pela cotação de tais produtos na Bolsa de
Valores. Nesse mesmo país, quarenta por centos dos alimentos produzidos são
desperdiçados enquanto uma parte significativa de sua população ainda passa
fome. Isso diz quase tudo sobre o caráter de nossa sociedade...
Jesus não era
antropólogo nem cantor. Mas, com certeza, um fino observador da realidade em
que lhe tocou viver. Por isso, além de instituir uma refeição como símbolo de
sua perene presença na humanidade, chamou a atenção para o modo como são
organizadas as refeições. Aconselhou os discípulos a nunca buscarem os
primeiros lugares nas refeições, mas a colocarem-se entre os últimos e com eles
partilhar a comida.
E os aconselhou
também a convidar aqueles que não têm comida para serem comensais em suas
casas: “Quando tu
deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem
teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam também convidar-te
e isto já seria a tua recompensa. Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados,
os coxos, os cegos. Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a
recompensa na ressurreição dos justos.”
Esse é
o caminho para construir uma nova sociedade baseada não na capacidade de cada
um, mas na graça de Deus e em relações gratuitas com as pessoas. Fazendo isso,
as refeições certamente serão mais leves, tanto no seu custo como na sua
digestão.
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