Há duas afirmações do senso comum que precisam ser postas em
questão. A primeira, a de que religião e política não se discutem. E muito
menos em família ou com os amigos. Afinal, muitos de nós rompemos relações com
familiares e nos afastamos de pessoas com as quais tínhamos amizade por causa
de diferenças religiosas e políticas. Segundo esse pensar comum, que nasce de
experiências às vezes dolorosas, cada um tem sua opção política e sua escolha
religiosa e ninguém tem o direito de nela interferir.
O argumento pode ter até uma razão prática. Mas não se
sustenta. E isso pela natureza dos dois temas em questão. Tanto a religião como
a política são realidades sociais. E as opções que cada indivíduo faz têm
consequências não só para ele, mas para toda a sociedade.
A religião, por definição, é a fé vivida de maneira
comunitária. Não existe religião de uma só pessoa. A religião – e todas as
religiões sem exceção! – são sistemas de sentido compartilhados que visam dar razões
à existência e à coexistência. Os valores e comportamentos religiosos, queira o
indivíduo ou não, têm incidência social. Por isso podem e precisam ser
discutidos.
Da mesma forma a política. Ela é o arranjo consensuado e
legitimado de regular as relações sociais. Portanto, toda opção política pode e
deve ser discutida, pois a opção de cada um afeta a existência de todos os
demais membros da sociedade.
O que podemos questionar é o modo como fazemos estas
discussões. Muitas vezes, prevalece a vontade de impor a própria opção
religiosa ou política sobre as outras pessoas e a indisposição para ouvir o
argumento do outro. Nesse caso, o entrave não está no objeto de discussão, mas
no modo como ela é conduzida.
A outra afirmação do senso comum que precisa ser superada é
a de que religião e política não se misturam. Primeiro, por um dado prático. Se
olharmos a vida política do Brasil e da América Latina nas últimas décadas,
veremos que religião e política se entrelaçam cada vez mais intimamente. Para o
bem ou para o mal. Mas é um fato que não pode ser negado.
Segundo, religião e política se mesclam também por uma
questão conceitual. Com olhares e objetivos diferentes, estes dois âmbitos da
existência tratam, como dissemos acima, da mesma realidade: a convivência
social. A religião dá o sentido. A política organiza esse sentido na
convivência prática. Inevitável que os dois universos se toquem e precisem
dialogar. Não fazê-lo, acaba criando uma sobreposição às vezes esquizofrênica.
Para os cristãos, esse diálogo não é apenas um dado prático
ou teórico. É uma questão de fé. Afinal, Jesus, a fonte e referência do
cristianismo, foi morto em consequência de um julgamento político. Ele foi
crucificado por ter-se afirmado como Rei dos Judeus em contraposição ao
Imperador Romano. Por isso morreu na cruz e, todos os anos, a Igreja o celebra
como Rei do Universo.
Mas atenção! É bom lembrar a muitos cristãos que Jesus não
foi o agente crucificador. Ele foi o crucificado. Quem o mandou torturar e
matar foi um general romano. Rezamos no creio que Ele “padeceu sob Pôncio
Pilatos” e não que Ele “crucificou a Pôncio Pilatos”. Sempre é bom lembrar
isso! Principalmente nestes tempos sombrios em que pessoas, em nome de Deus,
ostentam instrumentos de tortura e morte chegando à aberração de chamá-lo de
“General Jesus Cristo”.
Jesus é Rei, sim. Mas é o rei que entrou em Jerusalém
montado num jumento e não num tanque de guerra. Sua única arma foi o perdão e a
misericórdia. E seu trono é a cruz. Apresentar Jesus Cristo como um Rei
guerreiro, rodeado de soldados sedentos de sangue e armados até os dentes,
prontos para matar, não é apenas um desconhecimento da pessoa de Jesus. É
pecado, é blasfêmia.
Que deixemos reinar sobre nós a imagem de Jesus, o Rei da Paz que nasce da Justiça.
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