Para quem circula em meios eclesiásticos, é muito comum
ouvir-se o discurso de que o grande problema da sociedade é a falta de
religião. E que este afastamento da prática religiosa seria a fonte de todos os
males que hoje afligem a sociedade brasileira, desde o desemprego até o aborto e a calvície!
Ledo engano provocado por uma falta de atenção – ingênua ou
proposital – em relação ao que está acontecendo na sociedade. No Censo 2010, apenas
8% dos brasileiros se declararam “sem religião”. Mas a maior parte destes 8%
afirma alguma forma de crença religiosa fazendo com que o índice dos que se
declaram ateus, no estrito senso da palavra, seja ínfimo.
Olhando por outro lado, vemos que o discurso religioso
invade todos os âmbitos de nossa convivência. Basta ligar a televisão para ver
dezenas de canais transmitindo, 24 horas por dia, programação religiosa. Na internet,
então, é o conteúdo que mais abunda. As escolas se tornaram palco de disputa
entre igrejas e religiões. Hospitais e praças servem de palco a consoladores e
aliciadores das mais variadas crenças e denominações. Música e cinema garantem
sucesso e lucro falando de Deus. No mundo político, temos os que querem colocar
“Deus acima de tudo” com a força das armas e de fake news.
Isso que ainda não falamos de igrejas. Se algumas, como as
tradicionais paróquias católicas estão esvaziadas, outras, tanto católicas como
pentecostais, regurgitam de fieis. Isso sem falar dos centros espíritas e
africanistas por onde circulam cada vez mais pessoas de todos os estratos
sociais e religiosos. E as novas formas de religião que surgem a cada dia
fazendo com que o registro de religiões cresça a um ritmo superior ao das outras
formas de comércio e à indústria que patinam em meio à crise.
Diante destes fatos, nossa opinião é de que o problema não é
a falta de religião. O problema é a falta de fé. Religião é um rito externo. A fé,
uma disposição interior que impulsiona a vida em direção a Deus. A maioria das
religiões que hoje vemos por aí preocupam-se apenas com o bem estar afetivo ou
financeiro de seus frequentadores ou com a sobrevivência da instituição e de
seus pastores. Mas tem muita dificuldade em dar um sentido à vida das pessoas e
da sociedade como um todo.
Florescem, como afirmou o Papa Francisco na missa de
encerramento do Sínodo para a Amazônia,
“a ‘religião do eu’ hipócrita com os seus ritos
e as suas ‘orações’: muitos dos seus praticantes são católicos, confessam-se
católicos, mas esqueceram-se de ser cristãos e humanos, esqueceram-se do
verdadeiro culto a Deus, que passa sempre pelo amor ao próximo”.
Diagnóstico
do Papa Francisco que segue fielmente a reação de Jesus diante dos sacerdotes
do templo de Jerusalém, os saduceus, que, ao invés de alimentar as esperanças
do povo na luta pela libertação, assim como o haviam feito no passado os irmãos
Macabeus, preocupam-se apenas com as leis e os ritos de seu sistema religioso. Diante
da abundância de religiões que ocultam e abafam a ânsia de vida dos pobres e
sofredores, é preciso ouvir a voz de Jesus que lembra que a verdadeira fé é a
do Deus da vida que quer a vida para todos e todas.
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