Por isso, o símbolo maior do carnaval é a fantasia. Ela mostra a
cara daquilo que não somos mas gostaríamos de ser. As fantasias,
por mais exóticas que pareçam, revelam as mazelas e os desejos
populares. Como filosofava Joãozinho Trinta, numa sociedade de
pobres, a fantasia mais desejada é a que ostenta riqueza. Na mesma
direção, podemos dizer que, numa sociedade de corpos reprimidos, a
nudez dissimulada é a vitória, mesmo que momentânea, da
autenticidade de ser homem e mulher em todas as formas e gêneros.
Numa sociedade de repressão, o palavrão, a bebedeira, a
transgressão, permitem viver a liberdade negada no dia a dia.
Quando o carnaval, livre das amarras do poder, traduz com músicas,
danças, cores e amores os anseios populares, ele deixa de ser
fantasia e se transforma em utopia. Que o diga o samba enredo da
Estação Primeira da Mangueira: “Favela, pega a visão, não tem
futuro sem partilha, nem messias de arma na mão. Favela, pega a
visão, eu faço fé na minha gente que é semente do seu chão”.
Mas o carnaval passou. É hora de voltar ao normal. Hora de voltar ao
real. Volta que não implica no esquecimento das fantasias que
impulsionaram o sonho. Pelo contrário, elas permanecem como critério
para as duras escolhas do dia a dia. Afinal, para a fantasia se
tornar realidade, é preciso escolher entre o sonho que alimenta a
esperança e o fascínio do passado e do presente que nos dão
segurança.
Para iniciar a longa marcha da transformação em direção à
utopia, é preciso iniciar com uma opção: a quem vamos servir?
Àqueles que sufocam nossos sonhos com o discurso do conformismo ou
àquele que nos provoca à aventura dos caminhos nunca dantes
percorridos?
É o momento da prova, o momento da tentação. Ele sempre marca o
início de um novo projeto. Adão e Eva, no paraíso, foram colocados
diante de uma escolha. Eles optaram pela satisfação imediata de um
desejo que era real. Mas a satisfação no imediato ocultou o sonho
do futuro. A fantasia do paraíso aqui e agora tornou-se sofrimento,
dor e peso. Querer o céu na terra, aqui e agora, pode tornar-se o
pior dos infernos.
Jesus, no início de sua missão, também passou pela tentação de
abandonar o sonho do Reino em troca da acomodação aos poderes que
tudo lhe ofereciam. Ele não sucumbiu. Preferiu sonhar com a fantasia
divina onde a festa é para todos e não apenas para alguns. Na festa
de Jesus, entram, cantam e dançam toda classe de pessoas. Pecadores,
prostitutas, estrangeiros, judeus descumpridores da lei, doentes,
mulheres, velhos, crianças... E aqueles e aquelas que, por medo ou
pudor, não querem com eles e elas se misturar, ficarão fora da
festa.
Jesus pagou caro por esse seu sonho. A quaresma termina com a cruz e
a paixão. Mas ele não deixou de sonhar. Não esqueceu da alegria do
encontro com Deus, sem leis e sem repressão. Por isso, o caminho da
Quaresma, que segue ao Carnaval, não é apenas tempo de penitência. É tempo de continuar sonhando na ilusão de que a festa da inclusão
seja plenificada pela festa da Ressurreição.
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