Quem teve a oportunidade de viajar por outros estados do
Brasil, especialmente os do Norte e do Nordeste, sabe o quanto é difícil
explicar que as pessoas nascidas no Rio Grande do Sul não são necessariamente
gaúchas. Até muitos que moram no Estado mais ao sul do Brasil estranham quando
afirmo que nasci neste Estado, mas nem por isso sou gaúcho. Mas é isso mesmo o diz
o dicionário de gentílicos: quem nasce no Rio Grande do Sul é
rio-grandense-do-sul. Assim de simples!
Gaúcho é outra coisa. Gaúcho não é um termo gentílico. É uma
cultura. Tanto que existem gaúchos na Argentina e no Uruguai. Gaúcho é o
morador do pampa, descendentes dos povos charruas que habitavam as pradarias
pampeanas e foram dizimados pelos invasores espanhóis e portugueses.
Assim como eu e a maioria dos que hoje vivemos nestas
terras, não somos descendentes dos índios charruas. Meus bisavós vieram do
norte da Itália. Outros tem seus ancestrais oriundos da Alemanha, da Espanha,
de Portugal, da França, Suíça, China, Japão... E há os que aqui estão porque
seus antepassados foram trazidos à força da África para terem seu trabalho
explorado como escravos nas fazendas e charqueadas do sul do Rio Grande do Sul.
Pergunto eu: um menino nascido hoje, filho de pais recém
chegados do Haiti, de Bangladesh ou do Senegal, pode ser considerado gaúcho?
Rio-grandense-do-sul com certeza é, pois a lei garante a todo nascido em solo
brasileiro o direito de ser brasileiro. Mas se é ou não gaúcho, deixo para os
gauchistas decidirem. Só lhes peço que tirem todas as consequências desta sua
afirmação. E não apenas as que lhes são vantajosas. Se disserem que sim, que o
recém nascido é gaúcho, lhes peço abandonem o discurso racista e xenófobo e
acolham bem todos os estrangeiros aqui chegados e seus filhos que aqui nascem.
Se disserem que não, parem de querer impor sobre toda a população do Estado uma
identidade que não lhes diz respeito.
Sei que esta minha batalha é inglória. Sou exceção entre a
maioria que, sem se questionar, brada nos estádios “Ah! Eu sou gaúcho...” e, na
hora em que é entoado o Hino Nacional Brasileiro, viram de costas e cantam o
Hino Riograndense onde se exaltam as façanhas de um passado que nunca existiu.
Lamento ter que dizer isso. Mas é uma afirmação necessária
diante da ideologia gauchesca que teima em fazer dos CTG um espaço de
reprodução simbólica da fazenda onde os escravos eram açoitados, os peões explorados
até o fim de sua vida útil, e as mulheres tratadas como prendas e chinas. Ideologia
que se atualiza em discursos escravagistas
e excludentes de que “quilombolas,
índios, gays, lésbicas ... é tudo que não presta” e que volta a querem impor
seu mando na base do chicote.
Se essa é a compreensão do gaúcho, posso então
dizer, com toda a tranquilidade: “Ah! Não sou gaúcho...”
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