domingo, 28 de julho de 2019

Vaidade das vaidades!


Em meio à crise econômica mundial e nacional, alguns números chamam a atenção. Segundo a OXFAM, uma das mais sérias entidades internacionais de combate à pobreza e à desigualdade, em meio à essa crise, a distância entre os mais ricos e os mais pobres vem aumentando em um ritmo nunca visto antes. Atualmente, as 36 pessoas mais ricas do mundo acumulam a mesma riqueza que a metade mais pobre da humanidade. Ou seja, 36 pessoas detêm o equivalente a 3,6 bilhões de outros seres humanos. Nos anos de 2017 e 2018, a cada dois dias, surgiu mais um bilionário no mundo. Essa distância entre ricos e pobres têm uma de suas fontes na desigual tributação que os dois extremos sofrem.

No Brasil, sempre segundo dados da OXFAM, essa situação é ainda mais grave. Os seis brasileiros mais ricos – todos homens – detém a mesma riqueza que a soma dos 100 milhões de brasileiros mais pobres! A desigualdade no Brasil é seis vezes superior à média mundial. Em termos de desigualdade social, assim como no futebol, somos campeões do mundo...

É justo isso? Dentro da lógica capitalista, sim. Riqueza produz riqueza e “quem pode mais, chora menos”. É a lógica do mercado onde o mais forte engole o mais fraco. Dentro da lógica cristã, não. Pois, “não se faz distinção entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, inculto, selvagem, escravo e livre, mas Cristo é tudo em todos.” E mais: a riqueza que uns poucos privilegiados acumulam, é o que falta na mesa do pobre. E pior: é o que foi tirado da mesa do pobre. Com efeito, os bens disponíveis são limitados. E, para que um acumule o que não precisa, é preciso tirar do outro o que lhe é necessário. Como diz o profeta Jeremias, “como a perdiz que choca os ovos que não pôs, assim é aquele que ajunta riquezas por meios injustos.”

Diante desse fato, pergunta o Livro do Eclesiástico: que adianta ao rico acumular tantas riquezas se, no final de uns poucos anos, morre e deixa tudo para outro que nada fez? Jesus é mais enfático: o desejo de acumular bens, a ganância de ter sempre mais, além de provocar a desgraça dos outros, leva à desgraça daquele que dedica sua vida a acumular. O rico, além de fazer a infelicidade dos outros, cava, ao mesmo tempo, o sepulcro de sua própria desgraça. A ganância só faz sofrer. Tanto ao que acumula, como ao que é espoliado. Este sofre injustamente. O ganancioso, sofre de sua própria maldade.

Diante do rico afogado em sua riqueza acumulada que faz o pobre sofrer, cabe uma atitude irônica como a de Jesus. Pobres ricos que só tem as riquezas nas quais locupletarem-se! E uma afirmação taxativa: “A vida de um homem não consiste na abundância de bens”, pois pode ser que, nesta mesma noite, a morte bata à sua porta e, então, quem ficará com os bens acumulados?

Se os 36 homens mais ricos do mundo ou os seis brasileiros que detêm mais riqueza que os 100 milhões de compatriotas mais pobres se colocassem diante dessa possibilidade de que hoje mesmo podem ter a sua vida ceifada, talvez se dessem conta que sua riqueza nada mais é do que vaidade de vaidades. E uma triste vaidade que faz os outros sofrerem e, por isso, vaidade culpável diante de Deus e diante dos homens.
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segunda-feira, 22 de julho de 2019

O pão nosso de cada dia...


O que é religião? Pergunta instigante que já encontrou muitas respostas e continua a suscitar dúvidas e controvérsias. Difícil encontrar uma definição de consenso. A paleta de opções vai desde o considerar a religião como “ópio do povo” até a de proclamá-la como aquela que dá o “sentido último” a cada cultura e, dentro dela, à existência de cada grupo ou pessoa.

No fundo, creio que as duas visões não se contradizem. Pelo contrário, elas se complementam na medida em que indicam as duas possibilidades extremas da experiência humana. Com efeito, a religião pode levar a pessoa ao extremo da realização ou ao extremo da perversão. Porque religião – e aqui avanço uma possível definição de religião – é o conjunto de crenças, ritos, valores, normas e instituições – que prometem levar o ser humano à sua realização plena.

Evito aqui intencionalmente a palavra “transcendente”. No uso habitual, “transcendente” indica algo que não é deste mundo. Mas nem todas as religiões tem como meta conduzir as pessoas para um outro mundo futuro ou a um mundo paralelo ao mundo presente. Existem, sim, religiões que podem ser assim caracterizadas. Mas há sistemas religiosos que são marcadamente mundanos. Ou seja, prometem a salvação para este mundo mesmo, aqui e agora. E se não for agora, num futuro breve que está ao alcance da mão de todos. Pensemos na chamada “religião do mercado”. Basta você seguir as “leis do mercado”, seus ritos, seus valores, normas e instituições e, em pouco tempo, você terá sucesso e ficará rico.

É uma religião que tem seus livros sagrados e seus sacerdotes que, dominicalmente, tentam convencer as pessoas de que pequenas empresas podem se transformar em grandes negócios. Basta seguir a orientação dos empreendedores bem sucedidos que, por sua relação íntima com o Deus Mercado, agora têm a capacidade de guiar os que se convertem à nova religião. Os que fracassaram, é porque não tiveram fé suficiente nas eternas leis do mercado, não seguiram seus ritos e instituições ou não quiseram ouvir seus sacerdotes. Ou foram fracos e impersistentes. Pois na religião do Deus Mercado, só se salvam os mais fortes. Os fracos, são engolidos na voragem da luta pela sobrevivência. Por essas suas faltas, os fracassados já pagam no presente com o colapso de seus empreendimentos e ficarão para sempre gemendo e chorando no vale de lágrimas da pobreza, pois na religião do Deus Mercado não há graça. Aqui se faz, aqui se pena. Quem pode mais, chora menos. E são poucos os que se salvam.

Mas, e no cristianismo, como funciona a salvação? Qual é a meta do ser mais, de alcançar a plenitude do ser humano? Faço esta pergunta pensando na oração que Jesus ensinou a seus discípulos. Afinal, a oração é a expressão máxima dos desejos e promessas de uma religião. Nela, o fiel pede a Deus aquilo que mais almeja. E o que Jesus ensina a pedir no Pai Nosso? Coisas muito simples e mundanas. Em primeiro lugar, a justiça para os fracos. Era isso que a palavra Reino significava para um judeu: que o órfão, a viúva e o estrangeiro tivessem seus direitos respeitados. Pede o pão para o dia de hoje. Não pede riqueza, nem o acúmulo de bens. Basta a comida para satisfazer a necessidade presente e urgente. Pede o perdão das dívidas... Para o pobre, o mais cruel é estar devendo, pois o único que tem é a sua honra. E essa não tem preço!

E a oração termina com um “não nos deixes cair em tentação”. Mas não diz qual é a tentação. Pelo contexto anterior, sou levado a pensar que a tentação da qual Jesus nos ensina a pedir a Deus que nos livre, é a de não perdoar os que nos devem, de acumular o pão a tal ponto que a outros falte, de não fazer justiça para com os fracos e assim não acreditar que Deus é Pai de todos.

Estranha oração essa a do Pai Nosso. Ela revela uma religião dos fracos, dos fracassados, dos derrotados, dos endividados... que sonham com um mundo em que as relações não sejam marcadas pela dominação dos mais fortes sobre os mais fracos. Um mundo onde não haja vencedores nem vencidos, nem saciados nem esfaimados, nem credores e nem endividados.

Rezar o Pai Nosso, é comprometer-se com essa crença. E um desafio a cultivar valores e constituir normas e instituições que ajudem a forjar um mundo novo tal qual o rezado nesta oração tão simples e, ao mesmo tempo, tão transformadora.
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segunda-feira, 15 de julho de 2019

Sempre se fez assim!


Vivemos na sociedade da inovação. Todos aspiram ao novo. E, quanto mais novo, melhor! Aquilo que aconteceu ontem, já é passado, velho demais. O que foi feito ontem, já está ultrapassado, não serve mais. As novidades acontecem em um ritmo cada vez mais frenético. A aceleração do tempo parece não ter limites a tal ponto que, aquilo que ainda não aconteceu ou ainda não saiu de fábrica, já está fora de moda. O futuro é uma miragem cada vez mais distante que, parece, nunca alcançaremos.

Nesse contexto, a frase algumas vezes pronunciada de que “sempre se fez assim”, pode, por um lado, incomodar por expressar um não reconhecimento dos tempos em que estamos vivendo e, por outro, pode também ser um sinal de resistência à cultura da obsolescência antecipada. De um lado estão os “novidadeiros”. De outro, os tradicionalistas. De um lado os que querem fazer sempre o novo. Do outro, os que querem fazer o que sempre já se fez, pois na repetição do passado encontram a segurança em tempos de mudanças aceleradas ao infinito.

Quem tem razão nesta disputa? Atrevo-me a dizer que nenhum dos dois lados. De fato, ambos colocam o acento no “fazer”. É uma atitude típica da cultura moderna do “homo faber” que avalia o ser humano por aquilo que ele faz. Os que fazem coisas do passado, são ditos cavernários. Os que fazem as coisas do futuro, visionários. Mas o que nos permite distinguir entre o que é típico do homem das cavernas e o que é típico do homem das estrelas?

Costumo dizer, em tom de ironia, que não há nada mais pós-moderno do que a Idade Média!... Sei que com isso não faço justiça nem a Baumann e muito menos a Tomás de Aquino. Os dois se revolveriam nos túmulos se ouvissem estas minhas palavras... Mas o fato é que, alguns comportamentos humanos apontados como típicos do período medieval, estão renascendo nestes tempos da ultramodernidade. Por exemplo, a compreensão religiosa do mundo, seja através das religiões ou de outras expressões culturais que se organizam com a lógica religiosa. A política, por exemplo vive de mitos fundadores, de santos, liturgias e dogmas. E a economia também. É só observar o discurso que se faz sobre os “humores do mercado” e veremos que ele é tratado como um Deus. E mais: os massacres na Síria, na Líbia, no Afeganistão, no Iêmen..., não podem ser comparados com as cruzadas medievais? Como dizia o poeta, “eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades.”

Qual a alternativa a essa mentalidade baseada no fazer que tanto pode nos enclausurar no passado fossilizado como nos enlouquecer por um futuro de miragens enganadoras? Não pretendo ter a solução, mas uma alternativa pode ser a de passar do “homo faber” ao “homo audiens”. Deixemo-nos de preocupar com o fazer e passemos a escutar. Passar do ativo que se pretende dono do mundo ao auscultante que procura entender o sentido daquilo que está ao seu redor.

Diante de Jesus que chega a sua casa, Marta e Maria têm duas atitudes diferentes. Marta parte imediatamente para fazer aquilo que sempre fazia quando o Mestre chegava a sua casa. Maria senta-se aos pés de Jesus para escutar o que Jesus pede dela. E se Jesus não precisasse daquilo que Maria estava sempre acostumada a oferecer-lhe? Seu trabalho, mesmo sendo feito com perfeição, teria sido inútil. Antes de fazer algo, é melhor escutar, estar atento ao que está ao nosso redor e discernir o que o momento presente pede de nós. Se não somos capazes de ouvir os rumores do presente, podemos nos perder num passado que já não existe ou num futuro que ainda não é e, até pode ser, nunca será.

Menos ação e mais contemplação. Menos certezas e mais escuta. Menos preocupação e mais auscultação. E nossa ação não será sem sentido e nem inútil!
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segunda-feira, 8 de julho de 2019

Entre o simples e o complicado


“Para quê fazer as coisas simples, se elas podem ser complicadas?” É a pergunta que nós, que nascemos antes da era digital, nos colocamos diante de sistemas operacionais, programas, aplicativos, telefones, comandos eletrônicos e digitais que, ao invés de facilitar, complicam a vida de muitos usuários. Se tomarmos os programas para edição de texto, por exemplo, de cada cinquenta funcionalidades, um digitador normal talvez utilize duas ou três. E olha lá!... O mesmo nos smartphones. São raras as pessoas que utilizam sequer 10% de todas as possibilidades que eles oferecem. Por que, então, não oferecer telefones, programas, máquinas... com os recursos básicos e que todas as pessoas possam utilizar?

Pode haver várias razões para isto. Mas uma é indiscutível: porque a maioria de nós trabalha com a afirmação inconsciente de que o mais complicado é melhor. E não só no campo da tecnologia. Também na vida prática. Se uma pessoa vai ao médico e este, após uma consulta, não pedir nenhum exame e não oferecer uma longa lista de medicamentos a consumir, é provável que este médico seja considerado como não confiável. Mas se o médico pedir quatrocentos exames e disser que a pessoa tem dez doenças com nomes impronunciáveis e mandar tomar vinte remédios, caros e com bulas assustadoras, a pessoa muito provavelmente vai dizer: “esse médico é dos bons”!

No mundo das religiões, a necessidade que temos de complicar as coisas, é ainda maior. Quanto mais exigente ou bizarra nas suas demandas e ofertas for uma religião, mais provável é que atraia adeptos com rapidez e os mantenha convictamente ligados a essa experiência. Ainda mais se o chefe religioso usar nomes, roupas estranhas e tiver comportamentos bizarros.

O gosto pela complicação, de fato, parece fazer parte da própria condição humana. Mas não nos preocupemos: desde os tempos de Jesus era assim. Um rabino foi a Jesus e fez a pergunta religiosa clássica: “O que devo fazer para conquistar a vida eterna?” Jesus respondeu com aquilo que era o óbvio para todo judeu piedoso: “Observa os mandamentos”. E, para simplificar mais ainda as coisas, Jesus lhe diz: “E não precisa observar os dez. Basta observar os dois primeiros – amar a Deus e amar ao próximo – e tudo o mais se resolve!” Mas o doutor em leis, que era daqueles que acham que o complicado é melhor que o simples, logo atirou a pergunta: “Mas, quem é meu próximo?” De fato, os rabinos judeus tinham todo um sistema complicado para definir quem era “próximo” e devia ser amado e quem era “estrangeiro” e devia ser odiado. Jesus sabia disso e, para manter a sua afirmação na simplicidade da experiência da fé que pode ser alcançada por qualquer um, conta uma historinha simples: um homem foi assaltado e atirado meio-morto à beira do caminho. Vários passaram por ele sem fazer nada. Um samaritano passou, viu o homem caído e o ajudou. O samaritano é próximo daquele que estava caído à beira do caminho. Logo, o samaritano fez aquilo que é necessário para ter a vida plena e perfeita. Simples assim!

Se o caminho da salvação é esse, por que nossas religiões, inclusive o cristianismo, se apresentam de forma tão complicada? Tantas leis, tantas obrigações, tantos ritos, roupas, gestos, construções, negócios, funcionários, relicários, imposições, discussões sobre quem é Deus e qual é a melhor religião ou a Igreja que mais salva?

Suspeito que seja pela mesma razão que nos leva a desconfiar de máquinas, programas, softwares e telefones simples e fácil de usar: a satisfação com o complicado é um modo de disfarçar a nossa não disposição de fazer aquilo que é simples. Em outras palavras, complicamos para nos descomprometer. É preciso voltar ao simples, ao “arroz com feijão”, ao básico, àquilo que realmente nos torna humanos e nos conduz no caminho de Deus: amar ao próximo e amar o irmão. Tudo o mais pode até ser bom. Mas não é necessário. E pode atrapalhar o caminho da salvação.

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segunda-feira, 1 de julho de 2019

Si vis pacem, para bellum?


A frase é atribuída a Vegécio, um escritor romano que viveu no séc. V d.C. Dizia ele: Si vis pacem, para bellum. Para convencer o Imperador, de quem era amigo, a restaurar a grandeza do Exército Romano, escreveu um “Compêndio da Arte Militar” que, por sua simplicidade e praticidade, tornou-se referência da arte da guerra durante séculos no Ocidente. A fama da obra e a força da frase perduraram tanto que, no início do século XX, o Império Alemão, através da Fábrica Alemã de Armas e Munições (Deutsche Waffen und Munitionsfabriken) batizou uma de suas mais famosas criações, a Luger P08, de Parabellumpistole. Entre os anos de 1914 e 1918, mais de dois milhões de exemplares deste modelo foram produzidos e ele se tornou icônico de arma de defesa pessoal.

Curiosidades históricas a parte, voltemos ao importante da expressão popularizada por Vegécio. Ela afirma que a paz só pode ser alcançada pelo uso da força. Em outras palavras, só haverá paz quando as pessoas se sentirem suficientemente amedrontadas para não mais agirem violentamente. É uma lógica que tem forte apelo popular. Para muitas pessoas, a violência só poderá ser diminuída através do armamento generalizado dos cidadãos e de uma ação intimidatória por parte do Estado. Quanto mais armas nas mãos dos cidadãos e quanto mais violenta for a repressão por parte do Estado – polícia e Exército – contra os que praticam a violência, mais tranquila e pacificamente poderá viver a sociedade. Os inimigos da sociedade, sejam eles internos ou externos, só serão inibidos quando aterrorizados ou, no limite, aniquilados.

Foi esta lógica de forte apelo popular que levou à corrida armamentista que resultou na Primeira e na Segunda Guerra Mundial com seus milhões de mortos e incalculáveis perdas humanas e econômicas. Corrida que continuou através da Guerra Fria que quase resultou numa guerra nuclear que poderia ter acabado com a humanidade e boa parte da vida do Planeta Terra. A experiência cotidiana e os dados de todas as instituições que monitoram a violência a nível global indicam, sem sombra de dúvidas que, quanto mais armas em circulação, maior é a letalidade da violência.

Um olhar frio e sério sobe a realidade humana nos ensina que, diferentemente do que dizia o escritor romano e hoje apregoam os armamentistas, deveríamos afirmar: se queres a paz, prepara-te para ela! E o primeiro passo, é renunciar a toda lógica de violência. E o passo mais concreto, é livrar-se de todo e qualquer instrumento que possa fazer dano a outras pessoas.

Para o cristão, isso não é nada novo. É um compromisso que nasce da própria missão recebida de Jesus. Com efeito, quando enviou seus 72 discípulos, Jesus os advertiu claramente: “Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos.” Mas, avisa o Mestre, os discípulos não podem agir como os lobos, pois, agindo como lobos, deixariam de ser cordeiros, deixariam de ser símbolos da paz. Os discípulos devem andar desarmados e sem ostentar nenhum símbolo de poder. E o seu anúncio dever ser o da paz: “Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro:
A paz esteja nesta casa!” E o anúncio proclamado deve ser tão radicalmente pacífico que precisa ser apresentada sem nenhuma pretensão de imposição. Se os habitantes da casa acolherem esta paz, os discípulos nela podem permanecer. Mas se os habitantes não acolherem a mensagem de paz, o discípulo não deve discutir ou querer impor a paz, pois isto seria abandonar a lógica da paz e aderir à lógica da disputa e do conflito que resultará, inevitavelmente, em violência. Para Jesus, os fins não justificam os meios e não
se pode justificar uma ação má nem mesmo quando feita com boa intenção.

A tentação da lógica da violência como meio para alcançar a paz é tão grande que Jesus adverte os 72 discípulos: “...quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos, saindo pelas ruas, dizei: ‘Até a poeira de vossa cidade, que se apegou aos nossos pés, sacudimos contra vós.’” A lógica da violência é tão sutil e pegajosa que se aninha em nossos vestidos – físicos, mentais e espirituais – sem que nos demos conta dela e, às vezes, contra o discurso proclamado, acabamos por reproduzi-la em nossas relações diárias. É preciso livrar-se dela, sacudi-la de nossos corpos, mentes e corações. E isso só pode ser feito com a educação das novas gerações e a reeducação dos que fomos treinados para agir violentamente.

É preciso ensinar as pessoas que “não se pode trocar um aperto de mão com o punho fechado” e muito menos trocar um aperto de mão com armas na mão. Se queremos a paz, preparemo-nos para ela. E o primeiro passo é desarmar a mente, o coração e as mãos.