O Seminário Madre de Deus de Porto Alegre e a Formação do Clero Gaúcho

O teólogo e historiador Vanildo Luiz Zugno pesquisou documentos e relatou os fatos que fizeram a história do Seminário de Porto Alegre, contextualizando-o de forma abrangente, desde o seu início, em meados do século XIX, até a primeira década do século XX, centrando sua pesquisa nos dez últimos anos do período, que foram muito peculiares – 1903-1913. Estes anos foram uma verdadeira curvatura histórica ou uma transição no processo de “romanização” da formação do clero e, consequentemente, da Igreja Católica no Rio Grande do Sul. Há um “antes” tecido de ensaios, e um “depois” acomodado na migração recente, especialmente alemã. Os dez anos, conduzidos pelos capuchinhos franceses, absorveram o impacto do desencadear-se do anti-modernismo, que acentuou o combate da Igreja à modernidade, à laicidade e à democracia, acentuando, em contraposição, o protagonismo clerical e as características do processo de romanização do clero e da Igreja.
No entanto, por suas origens estranhas à maioria do clero e dos candidatos, os capuchinhos cultivaram, ao lado do rigor moral e intelectual exigido pela romanização do clero, certo pluralismo cultural e mesmo político. Em ambos os aspectos suscitaram tensões. Foram bem sucedidos na sua entrada? Foi bem sucedido o seu afastamento depois de dez anos, com a entrega do seminário aos jesuítas alemães pelo primeiro bispo de origem alemã? O que aconteceu de original nessa década? Se as interpretações até podem ser diversas, os fatos estão documentados, e, sem deslizar para o positivismo dos fatos, dados por indiscutíveis, não se pode também afirmar com Nietzsche que “não há fatos, somente interpretações”. Nietzsche contestava a pretensão a um universalismo metafísico de uma versão da verdade, a versão do poder. Mas aqui se trata de documentos e relatos.
Os documentos, porém, reclamam interpretação. A auto-interpretação é uma entre outras possíveis. Por exemplo, o diário de Frei Bernardin, pelo qual se pode saber até a meteorologia quase diária do período em Porto Alegre, inclusive das relações sociais, a começar por “Sua Grandeza” (sic) o Senhor Bispo. Mas os documentos permitem hipotizar outras interpretações. E, de fato, os colegas historiadores que precederam Vanildo Zugno e que aqui são citados, têm suas diferentes interpretações. É no exame do conflito das interpretações que o conhecimento do historiador requer também sensibilidade e arte de costurar e desenhar coerência no emaranhado dos fatos. É até uma questão de decisão moral e honestidade. Não é invenção, portanto. É reconstrução. É esse o trabalho de Vanildo Zugno, que, ao percorrer o rico e complexo processo de romanização da formação do clero católico desde meados do século XIX até os primeiros anos do século XX, possibilita ao leitor compreender as consequências nas décadas seguintes e seus novos conflitos a partir de meados do século XX, do Concílio Vaticano II até hoje. É um percurso relativamente longo que explica um momento intenso e decisivo do processo, ao mesmo tempo em que esse momento - os dez anos em foco - lustram de forma privilegiada o longo e marcante processo do qual somos ainda devedores como clero e Igreja Católica no Rio Grande do Sul. Alguns aspectos parecem o “retorno do recalcado”, questões que não foram suficientemente assentadas e reclamam melhor elaboração.
Se “todo homem, por natureza, deseja conhecer”, e o conhecimento causa a boa sensação de ordem e alegria, como afirma Aristóteles ao começar seu tratado de metafísica, conhecer é sempre “conhecer a causa”, e tem um resultado libertador, ainda segundo o filósofo. Ou um resultado de justiça, de retificação, como afirmou Rubem Alves: “Fazem-se estudos para justificar o passado”. Se isso é humano, vale para a Igreja e para quem tem interesse nela, especialmente no espaço do Rio Grande do Sul. Vanildo Luiz Zugno nos apresenta um capítulo de grande ajuda para “conhecer a causa” do modo de ser Igreja, com virtudes e limites, nesse sul do Brasil. A alegria da compreensão vale o tempo e a fadiga do trabalho, pelo qual é importante agradecer. Na prática, é resultante de um estágio pós-doutoral que tive o prazer de acompanhar.
Porto Alegre, outono de 2019
Prof. Dr. Luiz Carlos Susin
PUCRS/ESTEF

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