segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Ser feliz é tudo o que se quer!


Ser feliz é o que todo ser humano deseja. Desde o nascimento até a morte. De manhã, de tarde, de noite. No trabalho, no descanso e no lazer. Na vida pessoal, familiar e social. No comer, no vestir, no namorar.

Da busca pela felicidade nascem religiões, filosofias e ideologias. Ela faz nascer sonhos, compromissos e desilusões. Dela brotam as entregas, as guerras e as paixões, a indiferença, a santidade e a solidão.

Mas, o que é felicidade? Difícil de definir. A começar pelas imagens de felicidade com as quais somos bombardeados diariamente. Existe a felicidade da família reunida ao redor da mesa saboreando um pote de margarina ou um iogurte. Ou a do carro novo comprado em 60 vezes sem entrada. A felicidade do crediário das Casas Bahia! A da cerveja feita de cereais não maltados que atrai todas as mulheres da praia. E, a mais recente e tecnológica, a do smartphone de última geração que é tão rápido e tem tantas funções que dispensam o seu feliz comprador de agir e pensar.

Mas como a inteligência do celular, todas essas felicidades são artificiais, imprevisíveis e efêmeras. Prova disso é o consumismo que rege a economia e a cultura do nosso tempo. Ele ao mesmo tempo é gerado e se nutre do círculo vicioso de compra-insatisfação-compra que só termina quando o dinheiro disponível e as possibilidades de financiamento se esgotam. E da falta de recursos para financiar a felicidade artificial surge a depressão e o suicídio, dois males endêmicos de nossos dias.

Há alternativa para isso? Sim. E ela é bem antiga. Já foi pregada há dois mil anos por Jesus e retomada recentemente pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate Sobre a Santidade no Mundo Atual. Trata-se das “bem aventuranças” ou, mais propriamente traduzindo, das “felicidades”. Elas nada mais são do que uma receita para alcançar a felicidade no quotidiano e o caminho da vida plena.

A dificuldade para acolher e praticar tal receita reside tanto nos seus ingredientes como na forma de preparação. Afinal, num mundo que apresenta a riqueza como elemento fundamental para alcançar a felicidade, como acreditar que felizes são os pobres? Num mundo que exalta a força e o poder, como dizer que é a mansidão que faz as pessoas felizes? Numa cultura que apresenta como herói aos senhores-de-guerra ou os que fazem “arminha”, como dizer que a felicidade pertence aos pacíficos. Justiça, misericórdia, pureza de coração, não fazem parte do receituário da felicidade de nosso tempo e de nossa cultura. Mas o são da pregação de Jesus. E ele não era cego para a realidade de seu tempo.

Sabendo da dificuldade de sua proposta ser aceita, Jesus coloca como último sinal de felicidade o fato de alguém ser perseguido, injuriado e caluniado por causa dessa sua contracultural receita de como construir uma vida e um mundo feliz. Esse é, como lembra o Papa Francisco, o caminho para a santidade. E ele não é extraordinário, mas ordinário e pode ser realizado por qualquer pessoa.

Talvez para pensarmos o nosso caminho rumo a uma vida feliz, a Igreja coloca juntas a festa de todos os santos e a festa dos mortos. Diante da realidade inelutável da finitude, cabe-nos perguntar: estou sendo feliz nesta vida que estou levando? A margarina de tal marca, o carro com tantos itens de conforto, a cerveja com este ou aquele sabor, o celular desta ou daquela marca, estão me dando a felicidade ou é melhor buscá-la na proposta de Jesus?

Que nesta festa de Todos os Santos e dos Finados, nos demos a possibilidade de repensar os nossos sonhos e os respectivos caminhos para alcançar a felicidade à qual todos e todas somos chamados.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Os pecados dos padres sinodais


Nesta semana a Igreja Católica Romana está encerrando o Sínodo para a Amazônia. Depois de um longo processo de escuta das várias realidades daquela região, bispos, delegados, consultores e convidados foram reunidos, durante três semanas, em Roma, sob a coordenação do Papa Francisco, para pensar “novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”. Ainda não conhecemos as decisões que serão expressas no documento final. Oxalá sejam esperançadoras para a Igreja e para os povos que vivem naquela região e para todo o bioma amazônico, tão fundamental para a vida no planeta Terra.

Com o Papa Francisco cremos que “o tempo é mais importante que o espaço” e que, por isso, o processo é mais importante que o resultado. E o grande ganho do caminho que levou a Roma foi, sem sombra de dúvidas, a prática da sinodalidade. Ou seja, de uma Igreja que, desde as mais remotas comunidades da selva amazônica até a Basílica de São Pedro, foi capaz de pôr-se a caminho para ir ao encontro de todas as pessoas e sentar-se em círculo para conversar e tomar decisões em conjunto. Foi um exercício de uma Igreja em saída e de uma igreja toda ela sinodal.

Além disso, foi um exercício de encarar de frente os problemas internos da comunidade católica e os desafios que a realidade socioambiental apresenta para os homens e mulheres de fé. E essa coragem de não escamotear o real fez com que o sínodo, além de despertar paixões no interno da comunidade católica, também alcançasse repercussões em toda a comunidade cristã e para além dela. É sabida de todos a reação do governo brasileiro e dos setores da sociedade que lucram com a destruição da Amazônica diante do Sínodo. Neste sentido, foi um sínodo eminentemente ecumênico e resgatou o objetivo dos sínodos tradicionais da Igreja: colocar a fé cristã em diálogo com os grandes problemas da realidade.

Dentro da Igreja, duas posturas desenharam os extremos diante do Sínodo. De um lado, aqueles e aquelas que, cientes dos erros cometidos no passado, pedem perdão e buscam novos rumos para o agir eclesial. De outro lado, aqueles e aquelas que, aferrados a uma compreensão da verdade e convencidos de que seu modo de agir é o único possível, mais do que preocupar-se com a evangelização, preocupam-se com a possibilidade de ter que mudar. E, ao invés de combater os males que afetam a igreja, o povo e o bioma amazônico, juntam pedras e paus para atirá-los contra seus irmãos de Igreja e de fé.

São duas atitudes clássicas dentro do cristianismo. E, não por coincidência, estão retratadas no evangelho da liturgia deste fim de semana. De um lado, o fariseu que se orgulha de sua ortodoxia e de sua ortopraxia, mas não tem fé, pois acha que pode se salvar por si mesmo. Do outro, o publicado que, sabendo-se pecador, confia na misericórdia de Deus.

O Sínodo para Amazônia e os debates por ele suscitados nos fazem lembrar que, dentro de cada um de nós, pode existir o publicano e pode existir o fariseu. Que saibamos reconhecer nossos erros e começar tudo de novo, pois, como nos dizia São Francisco, até agora, pouco ou nada fizemos.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

A justiça dos homens e a justiça de Deus


A história é bastante conhecida. Mas precisa ser lembrada, pois é a história da justiça. Quando ele nasceu no pequeno vilarejo de Mvezo, em 18 de julho de 1918, recebeu o nome de Nelson Rolihalahla Mandela. Seu pai, analfabeto como a grande maioria da população sul-africana da época, era um líder tribal tradicional. Dentro do sistema de governo imposto na região pelo Império Britânico, seu papel era o de fazer a mediação entre o governo colonial e a população nativa. Era uma mediação tensa, pois os brancos, que contavam com aproximadamente 10% da população, dominavam 90% das terras e toda a produção mineral, a grande riqueza do país.

O destino de Nelson era o de casar-se com uma jovem indicada por seu pai e sucedê-lo na chefia tribal que, em comparação com a grande maioria da população negra, tinha uma vida relativamente confortável. Mas Nelson era um jovem atento à realidade de seu país e com seu olhar observador percebeu que aquele modo de organizar a sociedade não era justo. Em busca de melhores horizontes, mudou-se para a capital do país, ingressou na Universidade – a única para negros na África do Sul  - onde conheceu outros jovens que, como ele, sonhavam com um país livre da dominação colonial e do apartheid que, naquele momento, deixava de ser uma realidade vivida para ser fundamentada em leis.
Sua insurgência contra a discriminação dos negros levou-o a ser expulso da Universidade. Depois de muita luta logrou formar-se advogado e continuou, agora em outros parâmetros e com outros instrumentos, na batalha por melhores condições de vida para seu povo. Sua obstinação custou-lhe caro. Teve que fugir do país e, retornando, viver na clandestinidade até que, em 1963, foi preso e condenado à prisão por traição à Pátria.

De 1964 a 1990, Nelson Mandela foi prisioneiro do Estado sul-africano. Primeiro em Roden Island, depois em Pollsmor e, finalmente, em Victor Verster. Mesmo sem perspectivas de recuperar a liberdade, nunca renunciou a seu sonho de ver seu povo africano livre em seu próprio país.

Com o tempo, a luta da população africana organizada no Congresso Nacional Africano e a pressão internacional, o regime do Apartheid tornou-se insustentável. No final de 1999, o governo sul-africano legalizou os partidos políticos, inclusive o Congresso Nacional Africano e, no dia 11 de fevereiro de 2000, Nelson Mandela deixou a prisão. Em 1993, recebeu o Nobel da Paz. Comprometido com a paz, foi candidato a Presidência do país. Eleito, conduziu a refundação do país num processo de reconciliação nunca antes vivido em nenhum lugar do mundo.

Lembrar a história de Nelson Mandela, é perguntar-se pelo que entendemos por justiça. O sistema legal da África do Sul condenou-o à prisão. Mas era um sistema legal baseado na justiça dos homens brancos detentores da riqueza construída à custa da vida de milhões de negros africanos. Foi essa justiça que condenou Mandela.

Mas houve uma justiça que absolveu Mandela. Foi a justiça da humanidade que crê que toda pessoa tem direitos inalienáveis por ser uma pessoa humana. Essa é a justiça de Deus. A justiça que não esmorece ante os juízes poderosos que arrogantemente querem calar a voz da viúva que clama pelos seus direitos. Essa é a justiça que Jesus nos aponta no Evangelho. Que tenhamos os ouvidos atentos ao seu clamor que é o clamor de Deus.
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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Mobilidade, gratidão e salvação


A mobilidade faz parte da condição humana. Mais: poderíamos dizer que o que nos tornou humanos foi o fato de querer ir mais longe. Afinal, o que impulsou nossos ancestrais a deixar de andar de quatro patas para tornarem-se bípedes? Facilitar o deslocamento, com certeza, foi um dos fatores. De pé se vê mais longe e o andar se torna mais ágil e rápido para buscar comida, localizar um melhor lugar para viver, fugir dos inimigos, encontrar-se com os outros... Todas necessidades básicas que moveram os primeiros home sapiens e a humanidade durante trezentos mil anos de história e continuam a impulsionar, hoje, milhões e milhões de pessoas a saírem de seus locais de origem e buscar outros espaços de vida.

De uma forma ou de outra, todos somos migrantes ou descendentes de migrantes. De primeira, segunda, terceira ou mais gerações. É só olhar para trás na história dos antepassados. Às vezes, basta pronunciar o sobrenome para saber que somos migrantes ou descendentes de migrantes. O sotaque e a cor da pele nos denunciam. Por que, então, tanta dificuldade em aceitar os migrantes em nossa comunidade, em nossa cidade, em nosso país?

A palavra técnica para isso é xenofobia. Originada do grego, ela significa, literalmente, o medo ao diferente. De fato, o migrante que nos mete medo é sempre o estranho ao nosso mundo. Se é igual a nós, nem é considerado imigrante, mesmo que tenha vindo de muito longe. Mas se a sua cor de pele, sua língua, sua religião, sua cultura, seus costumes, são diferentes dos nossos, as reações xenofóbicas não tardam a manifestar-se.

O que nos mete medo, não é a mobilidade, mas a presença entre nós do diferente. Parece que isso faz parte da condição humana. Já no tempo de Jesus era assim. Os judeus tinham muita dificuldade em aceitar quem não pertencesse ao seu povo. O ódio aos romanos era óbvio. Roma era o Império estrangeiro que invadiu, espoliou e mantinha sob ferrenha dominação o povo judeu. O medo aos cananeus também, já que Israel havia se apossado de suas terras. Já o medo aos samaritanos era menos explicável. Judeus e samaritanos faziam parte do mesmo povo. E cultuavam o mesmo Deus. O que os diferenciava era a presumida pureza de sangue dos judeus e o lugar de culto e alguns costumes particulares.

Várias vezes nos evangelhos Jesus apresenta um samaritano como modelo de fé. A passagem mais conhecida é a do chamado “bom samaritano”. Mas existe também a passagem do leproso samaritano que, junto com outros nove leprosos judeus, foi curado por Jesus. Dos dez, apenas o samaritano voltou para agradecer. Só ele reconheceu em Jesus a presença salvadora de Deus. Bem diferente dos leprosos judeus que, também curados por Jesus, continuaram encerrados em sua convicção nacionalista e xenofóbica de que os privilégios de Deus são exclusivamente para eles.

Curados, os nove judeus nacionalistas, ortodoxos e xenófobos foram ao templo. Mas Deus não estava no templo. Deus estava em Jesus. E foi só o samaritano estrangeiro, herético e longe de sua terra que o encontrou e foi salvo por sua fé.
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