segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O PRÍNCIPE DA PAZ E OS FALSOS MESSIAS


Em sua recente viagem ao Japão, o Papa Francisco visitou o Epicentro da Bomba Atômica lançada pelos Estados Unidos sobre a cidade de Nagasaki no dia 9 de agosto de 1945. O fato não teria nada de extraordinário. Ir a Hiroshima ou Nagasaki e oferecer flores pelos mortos em consequência das duas únicas bombas atômicas até hoje utilizadas numa guerra, é um ato que quase todos os Chefes de Estado em viagem ao Japão o fazem.

São raros, para não dizer raríssimos, os chefes de Estado que, em viagem ao único país que sofreu um bombardeio nuclear, não visitam uma das duas cidades para prestar sua homenagem aos mortos e a todo o povo japonês. Não fazê-lo, é uma amostra de insensibilidade e de espírito bélico. Não ir a Hiroshisma ou Nagasaki, para um Chefe de Estado, é a afirmação de que os conflitos só podem ser resolvidos pela força das armas. É ser contra a paz. É ser a favor da morte.

Mas, voltando ao Papa Francisco, em sua visita à cidade de Nagasaki, ele foi além da simples visita protocolar. Ele não só condenou o uso de armas nucleares. O Papa Francisco condenou a posse de armas nucleares. Afinal, ninguém tem uma arma inutilmente. Tê-la, pelo simples fato de tê-la sem a intenção de usá-la, não tem sentido. Se alguém tem uma arma, é porque pensa em um dia usá-la. Ou seja, tem a intenção de matar. E isso é o trágico na posse de armas. E não apenas da bomba atômica, mas de toda e qualquer arma.

O Papa foi mais fundo na questão. Em seu discurso, afirmou que o armamentismo nasce da desconfiança para com o outro. É o medo e a desconfiança em relação às outras pessoas, aos outros grupos sociais ou nações que faz nascer o desejo de possuir armas. Disse o Papa: “O nosso mundo vive a dicotomia perversa de querer defender e garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir a possibilidade de qualquer diálogo.

É o medo e a desconfiança que fazem ver fantasmas de inimigos em todo o canto e toda esquina. E desse medo e dessa desconfiança nasce o desejo de proteção que, para alguns, se sente satisfeito com a presença de armas ou de pessoas poderosas e armadas que nos protejam dos pretensos inimigos.
Restabelecer a amizade e a confiança é o único caminho para construir uma sociedade de paz e convivência harmoniosa entre todos.

Neste tempo de Advento, os cristãos celebram a chegada do Príncipe da Paz. No Evangelho de Mateus, Jesus adverte que, em tempos difíceis e de turbulência, é possível que apareçam muitos que se apresentem como aqueles que vêm trazer a paz para a sociedade. É preciso estar atento e saber discernir para não sermos levados por falsos messias. Estes, normalmente, chegam com muito barulho e se apresentam como príncipes da guerra. O verdadeiro Messias, o Príncipe da Paz, chega sem fazer alarde e se encarna na manjedoura de Belém.

O critério de discernimento, para Jesus, é claro. Ele o busca no profeta Isaías. Verdadeiro Messias, não é aquele que se apresenta com o poder das armas. Pelo contrário, o verdadeiro Messias é aquele capaz de transformar “espadas em arados e suas lanças em foices”. Na nova sociedade construída sobre a paz da justiça, os homens “não pegarão em armas uns contra os outros e não mais travarão combate”.

Que o espírito do Advento nos conduza pelos caminhos da superação do medo, da desconfiança e da violência. Que a amizade e a confiança sejam os condutores de nossos passos no caminho da paz.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Jesus não crucificou a Pôncio Pilatos!


Há duas afirmações do senso comum que precisam ser postas em questão. A primeira, a de que religião e política não se discutem. E muito menos em família ou com os amigos. Afinal, muitos de nós rompemos relações com familiares e nos afastamos de pessoas com as quais tínhamos amizade por causa de diferenças religiosas e políticas. Segundo esse pensar comum, que nasce de experiências às vezes dolorosas, cada um tem sua opção política e sua escolha religiosa e ninguém tem o direito de nela interferir.

O argumento pode ter até uma razão prática. Mas não se sustenta. E isso pela natureza dos dois temas em questão. Tanto a religião como a política são realidades sociais. E as opções que cada indivíduo faz têm consequências não só para ele, mas para toda a sociedade.

A religião, por definição, é a fé vivida de maneira comunitária. Não existe religião de uma só pessoa. A religião – e todas as religiões sem exceção! – são sistemas de sentido compartilhados que visam dar razões à existência e à coexistência. Os valores e comportamentos religiosos, queira o indivíduo ou não, têm incidência social. Por isso podem e precisam ser discutidos.

Da mesma forma a política. Ela é o arranjo consensuado e legitimado de regular as relações sociais. Portanto, toda opção política pode e deve ser discutida, pois a opção de cada um afeta a existência de todos os demais membros da sociedade.

O que podemos questionar é o modo como fazemos estas discussões. Muitas vezes, prevalece a vontade de impor a própria opção religiosa ou política sobre as outras pessoas e a indisposição para ouvir o argumento do outro. Nesse caso, o entrave não está no objeto de discussão, mas no modo como ela é conduzida.

A outra afirmação do senso comum que precisa ser superada é a de que religião e política não se misturam. Primeiro, por um dado prático. Se olharmos a vida política do Brasil e da América Latina nas últimas décadas, veremos que religião e política se entrelaçam cada vez mais intimamente. Para o bem ou para o mal. Mas é um fato que não pode ser negado.

Segundo, religião e política se mesclam também por uma questão conceitual. Com olhares e objetivos diferentes, estes dois âmbitos da existência tratam, como dissemos acima, da mesma realidade: a convivência social. A religião dá o sentido. A política organiza esse sentido na convivência prática. Inevitável que os dois universos se toquem e precisem dialogar. Não fazê-lo, acaba criando uma sobreposição às vezes esquizofrênica.

Para os cristãos, esse diálogo não é apenas um dado prático ou teórico. É uma questão de fé. Afinal, Jesus, a fonte e referência do cristianismo, foi morto em consequência de um julgamento político. Ele foi crucificado por ter-se afirmado como Rei dos Judeus em contraposição ao Imperador Romano. Por isso morreu na cruz e, todos os anos, a Igreja o celebra como Rei do Universo.

Mas atenção! É bom lembrar a muitos cristãos que Jesus não foi o agente crucificador. Ele foi o crucificado. Quem o mandou torturar e matar foi um general romano. Rezamos no creio que Ele “padeceu sob Pôncio Pilatos” e não que Ele “crucificou a Pôncio Pilatos”. Sempre é bom lembrar isso! Principalmente nestes tempos sombrios em que pessoas, em nome de Deus, ostentam instrumentos de tortura e morte chegando à aberração de chamá-lo de “General Jesus Cristo”.

Jesus é Rei, sim. Mas é o rei que entrou em Jerusalém montado num jumento e não num tanque de guerra. Sua única arma foi o perdão e a misericórdia. E seu trono é a cruz. Apresentar Jesus Cristo como um Rei guerreiro, rodeado de soldados sedentos de sangue e armados até os dentes, prontos para matar, não é apenas um desconhecimento da pessoa de Jesus. É pecado, é blasfêmia.

Que deixemos reinar sobre nós a imagem de Jesus, o Rei da Paz que nasce da Justiça.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Que venha o meteorito!





Que venha o meteorito! É uma expressão cunhada e repetida por um colega meu diante da irresponsabilidade humana para com o meio ambiente. Sem pudor e muito menos responsabilidade, utilizamos e abusamos dos recursos naturais e estamos conduzindo o Planeta Terra a uma catástrofe ecológica sem precedentes. E, com insana estupidez, agindo assim, a humanidade está programando a sua própria extinção. E essa catástrofe, antes que chegue à culminância, causará muita dor e sofrimento à espécie humana. Então, para evitar mais sofrimento, que venha logo o meteorito!
Tomando o mote do colega e vendo a deterioração não só do meio ambiente, mas das relações humanas como um todo, também tenho a tentação de desejar que esse fim chegue logo. Ao invés de aprendermos com as gerações que nos precederam, parece que queremos repetir os piores erros do passado…
Com efeito, a humanidade caminha em direção a uma concentração de riqueza nas mãos de poucas pessoas e empresas. Enquanto isso ou, por causa disso, bilhões de seres humanos têm suas vidas ceifadas ou reduzidas drasticamente pela falta do básico: água, comida, saneamento, casa, de atendimento à saúde. E ainda empilhamos milhares e milhares de mortos de forma absurda em guerras que têm como única justificativa a acumulação de mais e mais riqueza por parte de poucos. Que venha logo o meteorito!
Depois de tanto esforço de gerações e gerações para construir sociedades democráticas onde as pessoas, mesmo sendo diferentes e pensando diversamente, possam conviver em paz respeitando-se mutuamente, renascem vozes que exaltam o fascismo, o nazismo, o racismo, a misoginia, os torturadores e assassinos que mancham a história da humanidade e de nossas nações. Que venha logo o meteorito!
Quando olhava a realidade de seu tempo, Jesus teve a mesma tentação. É o que nos atestam os Evangelhos. Ele também desejou que a dor e o sofrimento de seu povo terminassem logo. Era demais aguentar tudo aquilo. Mas há um detalhe importante. A diferença bem declarada por Jesus no seu discurso apocalíptico, é a de que a catástrofe não é o fim último. O desastre provocado pelos humanos e que tem consequências cósmicas, é passageiro. Ele não é um fim em si mesmo e nem dura para sempre. Para além da catástrofe está a justiça de Deus já proclamada pelos profetas, entre eles Malaquias, quando afirma que “virá o dia, abrasador como fornalha, em que todos os soberbos e ímpios serão como palha; e esse dia vindouro haverá de queimá-los”. Para aqueles que, como lembra Jesus, permaneceram fiéis e foram perseguidos por causa da justiça de Deus que é a defesa dos empobrecidos e da criação, “nascerá o sol da justiça, trazendo salvação em suas asas”.
Que esse dia chegue logo! De preferência, antes que venha o meteorito!

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O boom religioso e a falta de fé


Para quem circula em meios eclesiásticos, é muito comum ouvir-se o discurso de que o grande problema da sociedade é a falta de religião. E que este afastamento da prática religiosa seria a fonte de todos os males que hoje afligem a sociedade brasileira, desde o desemprego até o aborto e a calvície!

Ledo engano provocado por uma falta de atenção – ingênua ou proposital – em relação ao que está acontecendo na sociedade. No Censo 2010, apenas 8% dos brasileiros se declararam “sem religião”. Mas a maior parte destes 8% afirma alguma forma de crença religiosa fazendo com que o índice dos que se declaram ateus, no estrito senso da palavra, seja ínfimo.

Olhando por outro lado, vemos que o discurso religioso invade todos os âmbitos de nossa convivência. Basta ligar a televisão para ver dezenas de canais transmitindo, 24 horas por dia, programação religiosa. Na internet, então, é o conteúdo que mais abunda. As escolas se tornaram palco de disputa entre igrejas e religiões. Hospitais e praças servem de palco a consoladores e aliciadores das mais variadas crenças e denominações. Música e cinema garantem sucesso e lucro falando de Deus. No mundo político, temos os que querem colocar “Deus acima de tudo” com a força das armas e de fake news.

Isso que ainda não falamos de igrejas. Se algumas, como as tradicionais paróquias católicas estão esvaziadas, outras, tanto católicas como pentecostais, regurgitam de fieis. Isso sem falar dos centros espíritas e africanistas por onde circulam cada vez mais pessoas de todos os estratos sociais e religiosos. E as novas formas de religião que surgem a cada dia fazendo com que o registro de religiões cresça a um ritmo superior ao das outras formas de comércio e à indústria que patinam em meio à crise.

Diante destes fatos, nossa opinião é de que o problema não é a falta de religião. O problema é a falta de fé. Religião é um rito externo. A fé, uma disposição interior que impulsiona a vida em direção a Deus. A maioria das religiões que hoje vemos por aí preocupam-se apenas com o bem estar afetivo ou financeiro de seus frequentadores ou com a sobrevivência da instituição e de seus pastores. Mas tem muita dificuldade em dar um sentido à vida das pessoas e da sociedade como um todo.

Florescem, como afirmou o Papa Francisco na missa de encerramento do Sínodo para a Amazônia,a ‘religião do eu’ hipócrita com os seus ritos e as suas ‘orações’: muitos dos seus praticantes são católicos, confessam-se católicos, mas esqueceram-se de ser cristãos e humanos, esqueceram-se do verdadeiro culto a Deus, que passa sempre pelo amor ao próximo”.

Diagnóstico do Papa Francisco que segue fielmente a reação de Jesus diante dos sacerdotes do templo de Jerusalém, os saduceus, que, ao invés de alimentar as esperanças do povo na luta pela libertação, assim como o haviam feito no passado os irmãos Macabeus, preocupam-se apenas com as leis e os ritos de seu sistema religioso. Diante da abundância de religiões que ocultam e abafam a ânsia de vida dos pobres e sofredores, é preciso ouvir a voz de Jesus que lembra que a verdadeira fé é a do Deus da vida que quer a vida para todos e todas.