A cada ano, geralmente
no tempo da Quaresma ou do Natal, quando os sentimentos religiosos estão mais à
flor da pele, a mídia sensacionalista mancheteia a descoberta de um novo
Evangelho que durante milênios teria sido ocultado pela Igreja. Com o aval de
um “cientista” de um instituto de pesquisa que ninguém sabe onde se localiza,
sites sensacionalistas, jornais precisando chamar a atenção de leitores, emissoras
de televisão em crise de audiência e rádios de duvidável credibilidade vão
passando a informação adiante sem se perguntar da confiabilidade das fontes e
da fiabilidade da informação. As redes sociais se encarregam de fazer o resto e
logo uma multidão de pessoas está convicta de que descobriram uma namorada, a
esposa ou um filho de Jesus.
Uma pesquisa mais
atenta sobre o tema leva à conclusão de que se trata, na maioria dos casos,
senão todos, da exploração requentada de uma cópia falsificada de um suposto
fragmento de um texto apócrifo do séc. V que foi descoberto numa biblioteca do
séc. XII!... Mas muita gente acredita e passa a escrever textos e textos sobre
a hipocrisia da Igreja que tenta ocultar a verdade sobre Jesus e os youtubers do sensacionalismo produzem
vídeos e mais vídeos que incautos assistem e compartilham em suas redes sociais
na ânsia de convencer a mais e mais pessoas de que aquilo é verdade.
Por que tudo isso
acontece? Por um lado, como já dissemos, pela necessidade da mídia em produzir
conteúdos que chamem a atenção do público. E, conteúdos religiosos,
principalmente quando tem um viés sensacionalista e mexem com a imaginação,
sempre vendem bem. Por outro lado, o dos consumidores deste tipo de informação,
está o desejo do novo, do extraordinário, do inaudito, do nunca visto que possa
talvez preencher de uma vez por todas o vazio das pessoas carentes de sentido
em meio a um mundo individualista e sensacionalista. Na verdade, este tipo de
informação, nada diz a respeito de Jesus. Mas diz muito a respeito das pessoas
que as buscam e nelas projetam seu eu e suas próprias necessidades, reais ou
imaginárias.
Lembrei destes fatos ao
ler nesta segunda-feira o texto da Liturgia Diária da Carta de Paulo aos
Gálatas onde diz: Admiro-me de terdes abandonado tão
depressa aquele que vos
chamou, na graça de Cristo, e de terdes passado para um outro evangelho. Não que haja outro evangelho, mas
algumas pessoas vos estão perturbando e querendo mudar o evangelho de Cristo. Pois bem, mesmo que nós ou um anjo vindo do céu vos pregasse um evangelho diferente daquele que vos pregamos,
seja excomungado. Como já dissemos e agora repito: Se alguém vos pregar um evangelho diferente daquele que
recebestes, seja excomungado. Será que eu estou
buscando a aprovação dos homens ou a aprovação de
Deus? Ou estou procurando agradar aos homens? Se eu ainda estivesse preocupado
em agradar aos homens, não seria servo de Cristo. Irmãos,
asseguro-vos que o evangelho pregado por mim não é
conforme a critérios humanos. Com efeito, não o
recebi nem aprendi de homem algum, mas por
revelação de Jesus Cristo. (Gl 1,6-12).
É um texto forte. Paulo excomunga da comunidade aqueles que
pretendem alterar o Evangelho por ele anunciado. Nem que fosse um anjo que
anunciasse um Evangelho diferente do recebido por Deus, deveria ser
excomungado!
Pobres dos autores dos apócrifos. E pobres dos divulgadores
de apócrifos, tão comuns, infelizmente, em nossos dias... Pobres daqueles que, mesmo
ouvindo “amai-vos uns aos outros”, bradam a todos os ventos “armai-vos uns
contra os outros”; pobres daqueles que, mesmo lendo “não matarás”, pregam a
pena de morte; pobres daqueles que, ao invés de oferecer a outra face como
ensinou Jesus, semeiam o ódio e o terror entre os pobres e desprotegidos; pobres
daqueles que ao invés de repartir com os milhões de irmãos necessitados e
famintos, acumulam insensatamente suas riquezas que as traças e a ferrugem hão
de comer; pobres daqueles que do alto dos telhados, ao invés de proclamar a
verdade, espalham mentiras, calúnias e fake
news contra seus adversários; pobres daqueles que ao invés de descobrir
que, em Jesus, não há
judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher, discriminam as pessoas por
sua origem étnica, condição social ou de gênero; pobres daqueles que percorrem
mares e terras para fazer um prosélito e, depois que ele dizima em sua igreja, transforman-no
num “filho do inferno duas vezes mais infernal” do que seus próprios
pastores... Pobres enfim daqueles que levantam templos em honra a Deus e
destroem o templo mais sagrado que é o corpo do irmão e da irmã.
É um novo Evangelho que está circulando, inclusive dentro
de muitas igrejas. E, como todo apócrifo, perigoso porque se disfarça com o
discurso da verdade e da religião. Como todo apócrifo, precisa ser desmascarado.
E, caindo a sua máscara, deixar que se divise o verdadeiro rosto dos que o
propagam para semear a discórdia e a divisão, a mentira e a morte, os frutos
daquele que divide, os frutos do diabo, satanás.
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