domingo, 15 de dezembro de 2019

Jesus e a porta dos fundos

Não assisti o tal Especial de Natal do Porta dos Fundos. A essas alturas, não sei se vou assistir. Há muito tempo desisti da televisão. E não tenho assinatura da Netflix. E de nenhum outro serviço de streaming. A vida real já é, de por si mesma, trágica, cômica e sórdida para que passemos o pouco tempo que temos nesta terra diante de uma tela quadrada. Em ambos os sentidos da palavra quadrada.

Mas o que ouço falar já me permite dizer algumas coisas sobre Jesus e a porta dos fundos. Não o Porta dos Fundos. Desse eu não vou falar porque, como já disse anteriormente, não assisti.
Mas, com certeza, posso dizer que:

a) quando o nome de Deus é usado para desprezar as outras culturas, principalmente as mais fragilizadas, como as culturas dos povos indígenas e afro-descendentes, Jesus já está saindo pela porta dos fundos;

b) quando o nome de Deus é utilizado para atacar as outras religiões, com a destruição de seus centros de culto, como tem sido feito com as Casas de Pajé no Mato Grosso e os Terreiros de Candomblé no Rio de Janeiro, Jesus já está saindo pela porta dos fundos;

c) quando o nome de Deus é usado para justificar o assassinato de jovens negros nas periferias de nossas cidades - o massacre de Paraisóplis é, infelizmente, apenas mais um caso entre tantos outros que passam no anonimato -, Jesus já está saindo pela porta dos fundos;

d) quando o nome de Deus é usado para dar legitimidade à violência, estupro e morte das mulheres, pelo simples fato de serem mulheres, Jesus já está saindo pela porta dos fundos;

e) quando o nome Deus é usado para estimular o assassinato de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneres, Jesus já está saindo pela porta dos fundos;

f) quando o nome de Deus é usado para sacralizar a destruição da Amazônia e dos demais biomas, Jesus já está saindo pela porta dos fundos;

g) quando o nome de Deus é usado para retirar verbas do Sistema Único de Saúde que atende os mais pobres do país, Jesus já está saindo pela porta dos fundos;

h) quando o nome de Deus é usado para criminalizar professores e professoras das escolas públicas a fim de que o capital privado tome conta da educação, Jesus já está saindo pela porta dos fundos;

i) quando o nome de Deus é usado para criminalizar os moviimentos sociais que tentam defender o pouco de direitos que ainda restam, Jesus já está saindo pela porta dos fundos;

j) quando o nome de Deus é usado para destruir com a Previdência Pública que garante uma vida quase decente para os idosos e idosas de nossa país, Jesus já sai pela porta dos fundos;

k) quando o nome de Deus é usado para arrancar dinheiro dos pobres na forma de dízimos, doações, coletas e outras aberrações pseudo-bíblicas, Jesus já está saindo pela porta dos fundos;

l) quando o nome de Deus é usado...

A lista seria bem maior. Cada um pode completá-la a partir do lugar onde seus pés pisam. E chorar de vergonha não pela Primeira Tentação de Cristo do Porta dos Fundos. Mas pela tentação de muitos cristãos - indivíduos e instituições - de calar-se diante de tanta dor e sofrimento de nosso povo.
Como dizia o Mestre de Nazaré, o Verbo que veio fazer sua casa entre os pobres da Galileia, se calarem a voz dos profetas, até as pedras clamarão. Se os cristãs e as igrejas cristãs se calam, talvez os artistas ateus tenham que emprestar sua voz para que Jesus fale. De uma forma que, talvez, não nos goste ouvir. Mas que nos interpela duramente.

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